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foram tomadas várias decisões quanto à
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encontrará a lista de erros corrigidos.
Rita
Farinha (Abril 2010)
ANTÓNIO AURÉLIO DA COSTA FERREIRA
Professor
de Psicologia experimental e Pedologia
na Escola Normal Primária de Lisboa
ALGUMAS LIÇÕES
DE
PSICOLOGIA E PEDOLOGIA
PSICOLOGIA E PEDOLOGIA
ANTÓNIO AURÉLIO DA COSTA FERREIRA
Professor
de Psicologia experimental e Pedologia
na Escola Normal Primária de Lisboa
ALGUMAS LIÇÕES
DE
PSICOLOGIA E PEDOLOGIA
Comp. e impr. na Typ.
Costa Carregal—Porto
AOS MEUS COLEGAS E AOS
MEUS ALUNOS
DA
ANTIGA E DA NOVA
ESCOLA NORMAL PRIMÁRIA DE LISBOA
ÍNDICE
|
|
Pág. |
Prefácio |
|
5 |
O ensino da pedologia na escola normal
primária |
|
7 |
A arte de educar e a psicologia
experimental |
|
17 |
O pêso do corpo da
criança |
|
29 |
A agudeza visual e a auditiva debaixo do ponto
de vista
pedagógico |
|
47 |
A visão das
côres |
|
61 |
Sôbre umas provas de exame da
atenção
voluntária
visual |
|
89 |
Da inteligência do escolar e da sua
avaliação |
|
111 |
Inteligência e
apercepção |
|
123 |
Sôbre psicologia, estética e
pedagogia do
gesto |
|
135 |
PREFÁCIO
Com o título Algumas
lições de Psicologia
e Pedologia
publíco neste pequeno volume as
principais lições que li e comentei, como
professor da antiga Escola Normal do Calvário,
e da actual Escola Normal de Bemfica,
às quais acrescento a conferência que realizei
no Conservatório, por ocasião da
Exposição
de Arte na Escola.
Algumas das lições são verdadeiros
planos
e resumos dos meus cursos.
A matéria vai exposta com a maior clareza
de que fui capaz e pela forma que me pareceu
melhor, em atenção à
preparação habitual dos
alunos das Escolas Normais e ao fim que
essas escolas têm ou devem ter em vista. Busquei
principalmente interessar e orientar os
meus alunos, habituando-os a confiar na prática
dos métodos scientíficos em pedagogia.
O livrinho vai ilustrado com uma gravura,
reprodução duma cópia feita pelo
professor
Eduardo Romero, da Casa Pia, cópia de
um curioso desenho de R. Gudden, de Francfort
s. M., excelente exemplo de um fenómeno
de apercepção, que encontrei publicado no manual
de Starch: Experiments in Educational
psychology,
e que me pareceu ser uma
ilustração
muito apropriada para acompanhar as
minhas lições de Psicologia e Pedologia, e
particularmente a lição:
Inteligencia e apercepção.
Estou certo de que a leitura dêste livrinho,
e a dos livros que nele cito, será de muita,
utilidade para os alunos das Escolas Normais
e para os candidatos aos concursos de
Inspectores primários.
Belem—25—XII—920.
A. Aurélio da
Costa
Ferreira.
O ENSINO DA PEDOLOGIA
NA ESCOLA NORMAL PRIMÁRIA[1]
Minhas Senhoras e meus
Senhores:
Parafraseando o emérito
Claparède,
direi:—como
se consideraria uma escola de horticultura
onde se não ensinasse a botânica?!
Que se poderia dizer de uma escola que
preparasse professores para a infância, seus
educadores, e em que se não professasse a
pedologia?!
Como se chamaria aquele que hoje, no estado
em que se encontra a sciência, quizesse
como outrora tratar de doenças, empíricamente,
sem saber, sem nunca ter estudado a anatomia
e a fisiologia e as suas aplicações ao
diagnóstico e não soubesse examinar
convenientemente,
scientíficamente, um doente, e
[8]
procurar as indicações? Seria, hoje, porventura,
um médico? Não. Nem mereceria
confiança,
nem mereceria consideração e as penalidades
da lei até sôbre êle
recaìriam.
Como se poderiam considerar aqueles que
hoje se obstinassem a pretender desenvolver
a inteligência, formar caractéres, corrigir os
instintos da criança, sem nunca ter aprendido
a estudá-la, a medir-lhe a inteligência e a
examinar-lhe
o feitio mental, as suas tendências e
as suas aptidões?
Pois se a psicologia tem progredido tanto
que hoje há processos quási tam seguros para
fazer tudo isto, como há na clínica para estudar
o pulso ou a respiração, desconhecê-los
não será, pelo menos, ser um professor
incompleto,
atrazado, fóra do seu tempo? Sem dúvida
que sim.
Bem posso dizer como eu mesmo dizia no
último Congresso Pedagógico de Lisboa:
«querer
e crer que sem conhecimentos de pedologia,
de higiene escolar, de metodologia dos trabalhos
manuais e da ginástica, possam saír
das nossas escolas normais professores dignos
da nossa época, a quem os governos possam
confiar a educação das novas
gerações, capazes,
como dizia, parece-me, numa das suas célebres
lições de pedagogia, o meu querido
mestre, Dr.
Bernardino Machado,
capazes não
só de transmitir—
«em
tôda a sua pureza o património
da civilização dos antepassados, a
hercúlea fôrça atávica que
nos pode permitir
reabilitar-nos perante a
história»—mas tambêm
capazes de fazer tudo o que fôr possível
[9]
fazer-se para fomentar o progresso, melhorar
a raça, melhorar o solo, melhorar o país; querer
que aqueles a quem compete fazer e refazer
a pátria, a façam e refaçam como
noutros
tempos, como no nosso tempo já não deve fazer-se,
é tão estulto como querer confiar hoje
a defeza da nossa terra aos heróis de outrora,
a valentes de cota e malha, ou os progressos
do nosso comércio, às antigas e gloriosas
caravelas!»
Van Bierveliet, da
Universidade de
Gand,
numa das suas magistrais lições de pedagogia
scientífica, feitas para professores de
instrução
primária, exprime-se assim:
«Consideremos uma classe qualquer e interroguemos
o professor; saberemos logo que
num conjunto de cincoenta alunos, por exemplo,
se encontram dois ou três que demostram
uma grande diligência, e aceitam com prazer
tôdas as tarefas que se lhe impõem. Constituem
os primeiros da classe, o que pode chamar-se
a
cabeça da classe. Na
grande massa
dos alunos, dominam aquêles em que o zêlo
é
moderado; cometem erros e sabem as suas lições
mais ou menos bem. Finalmente, um número
mais ou menos considerável da classe
acha que a tarefa que se lhe impõe é demasiado
pesada e aborrecida; constitui o grupo
dos
preguiçosos, dos
mandriões. Estes, fazem
os seus exercícios mal, ou nada fazem, e aprendem
muito pouco, uma ou outra pequena cousa,
um ou outro fragmento de lição. As classes
apresentam uma cabeça, um corpo e uma cauda;
geralmente a cabeça é composta por dois
[10]
ou três indivíduos e a cauda, pelo
contrário,
é muitas vezes notavelmente desenvolvida; as
classes são organismos por vezes
microcéfalos
(de cabeça pequena) e
macrures (de cauda
grande).
«A simples constatação dêste
facto, basta
para demonstrar que o regimen escolar é pouco
atraente para as inteligências em
formação.
«Se num jantar de cincoenta talheres se
constatasse que três pessoas sómente mostravam
bom apetite, trinta comiam com repugnância
e o resto nada comia, concluir-se-ia, com
alguma razão, que ou o
menú era
medíocre ou
que os convivas tinham o estomago caprichoso
e que por isso lhes não convinham os pratos
que lhes eram oferecidos ou destinados. O mesmo
se pode dizer das classes. Há inteligências
excepcionalmente vivas que assimilam tudo,
como sucede com as pessoas que têm o que
se usa chamar estomago de avestruz, que tudo
digerem. Há outras, pelo contrário, que perante
os conhecimentos apresentados, pelos métodos
mais correntes, se comportam como dispépticos
da inteligência. Que se faz em regra a estas?
Castigam-se. Melhor fôra curá-las.»
Melhor fôra, acrescento eu, saber conhecer
o feitio mental dos alunos, agrupá-los consoante
as suas semelhanças e diferenças, e saber
administrar-lhes
os mesmos conhecimentos por
métodos diferentes, aqueles que melhor se acomodem
e mais convenham ao seu feitio.
As mesmas doenças não se tratam sempre
do mesmo modo; tem que se atender ao doente.
No ensino sucede a mesma coisa. Não se ensinam
[11]
todos pelo mesmo modo; tem que se atender
ao aluno.
Um professor de instrução primária
não
pode, não deve desconhecer, ao entrar no
exercício
da sua profissão, a psicologia infantil e
os processos de a estudar e de a observar.
Não basta conhecer a
metodologia, é
necessário
a
psicologia.
A metodologia deverá, de resto, ajustar-se
à psicologia da classe e à do aluno.
Diz
Claparède
num
livro, cuja leitura muito
lhes aconselho (
Psychologie de
l'enfant):«Muitas
pessoas supõem que só a prática do
ensino
pode formar o professor e dar-lhe a verdadeira
experiência. Seguramente, a importância da
prática é capital para formar um especialista
numa determinada arte. Mas é preciso esforçar-se
por reduzir ao mínimo as experiências,
as tentativas, sobretudo quando se trata de
seres humanos. O professor que entra na prática
da sua profissão, sem ter o menor conhecimento
de psicologia, vê-se naturalmente reduzido
a tentar, a fazer experiências com que
os alunos podem sofrer; é obrigado a experimentar
in anima vili, e algumas vezes essas
experiências são demasiado longas e
peníveis
para as gerações de alunos que as têm
de
sofrer. Sem dúvida, a prática pode, dentro de
certos limites, compensar a insuficiência dos
conhecimentos teóricos, mas à custa de quantos
rodeios e de quantos erros! Á força de
construir pontes que abatem, ou máquinas que
estoiram e se escangalham, pode um técnico
sem instrução teórica acabar por ser
um bom
[12]
construtor e encontrar empíricamente as fórmulas
que êle é incapaz de calcular. Mas quem
quereria semelhante engenheiro?
«Um professor sem educação
psicológica
está precisamente no mesmo caso, com esta
diferença, contudo: que, quando uma ponte
tende a abater, no decurso da sua construção,
pode ser reparada imediatamente ou pode ser
refeita. Enquanto que se se trata de uma inteligência
ou de um carácter que erradamente
se forçou ou tratou na sua evolução,
só tarde
se dá pelo mal, quando êle já se
não pode remediar,
e nunca em nenhum caso se pode refazer,
reconstruir, fazer de novo outra inteligência
ou outro carácter.»
Estas parábolas devem convencer as senhoras
e os senhores normalistas da utilidade do
estudo da psicologia, do estudo das faculdades
mentais, na preparação dos professores de
instrução
primária.
Mas que psicologia?
Será a psicologia clássica dos
compêndios
de filosofia? Será a psicologia especulativa?
Será a psicologia, o conhecimento das faculdades
mentais pelo exame introspectivo de indivíduos
excepcionais, supra-normais quási sempre,
filósofos que se deram ao trabalho de se
estudar a si mesmo? Não.
A psicologia do adulto é diferente da da
criança e o estudo desta não se pode fundar
no exame feito por ela própria. O estudo da
psicologia da criança é quási como o
da dos
animais. A criança não é um homem e
é quási
tam diferente do homem como a lagarta da
[13]
borboleta. Que se diria de quem quizesse alimentar
ou tratar a lagarta do bicho da sêda
como a sua borboleta, como êle na sua fase
de insecto perfeito? E no entanto lagarta e
borboleta, tam diferentes na fórma e nos hábitos,
são o mesmo indivíduo. Assim sucede com
cada um de nós, na sua fase infantil e na sua
fase adulta.
A propósito da psicologia clássica, talvez
com mais razão do que dizia
Binet da antiga
pedagogia, se pudesse dizer: «deve ser completamente
suprimida», no ensino das escolas
normais, acrescento eu.
Eu sei com que razão se tem apresentado
contra o ensino da pedologia, ou estudo da
criança, aos professores de instrução
primária,
o argumento de que êle tem levado êstes a
distrair-se das suas funções docentes, para se
dedicarem a estudos e experiências que não
só prejudicam, porque afastam o professor da
sua principal missão: instruir e educar, como
tambêm porque o levam a fornecer dados que
por insuficiência ou carência de
preparação
scientífica, que só em cursos superiores e
especiais
se pode adquirir, são em regra dados
perdidos, cheios de erros, falseados, quási
inúteis
para a sciência.
Mas o que eu pretendo fazer não é preparar
psicólogos, antropologistas, filósofos; nem
eu, nem ninguem deveria pretender fazê-los
numa escola normal primária, principalmente
com as habilitações que os senhores podem e
devem ter. O que eu pretendo fazer é ensinar
os principais elementos de pedologia, que a
[14]
sua preparação literária consente e
que os
professores devem conhecer para melhor ensinar.
Procurarei, em suma, ensinar
rudimentos
de pedologia e as suas aplicações ao ensino
na escola primária.
Seria estulto que eu, médico antropologista,
embora director de um instituto de educação,
eu que não fiz estudos regulares de metodologia
do ensino primário, nem nunca professei
êsse ensino, viesse ensinar-lhes todo o programa
actual da pedagogia, sciência e arte de
ensinar, como seria igualmente estulto e injustificado
que se exigisse a um professor de
instrução primária, que não
tivesse feito estudos
especiais de antropologia, e não tivesse
suficientes conhecimentos de técnica-pedométrica,
que ensinasse a pedologia, sciência que
é conveniente e, mais do que conveniente,
indispensável
ensinar ao futuro professor.
Não é preciso exagerar como
Chaillou e
Mac-Auliffe, quando
na sua
Morfologia médica,
dizem: «A educação é e
continua a ser puramente
pedagógica.
Escapa ao único
homem
que deve dirigi-la, ao médico.»
Não. Mas é
preciso dizer-se, porque é fácil provar que o
é, que é necessário que parte da
preparação
do professor primário seja feita por médico
especializado nas aplicações das
sciências médicas
à pedagogia, e que o professor seja um
auxiliar do médico.
Os exercícios que habitualmente passarei,
serão exercícios de
educação scientífica e neles
terei em vista não só ensinar como se estuda
[15]
e desenvolve as faculdades da criança, mas
tambem o ensinar a estudar e a desenvolver
as faculdades dos que a têm de educar.
A S. Ex.
a o actual Ministro de
Instrução
Pública caberá a honra de ter introduzido no
quadro dos estudos do curso normal, o ensino
regular da pedologia.
Por minha parte, procurarei corresponder
aos desejos de S. Ex.
a o Ministro, repartindo
com todos os meus alunos o que da matéria
souber e com êles estudando o que fôr preciso
estudar, pondo ao seu dispôr os meus hábitos,
os meus recursos e o meu método de trabalho.
Que a dedicação e a lialdade com que sempre
uso servir nos lugares para que me nomeiam,
possam compensar outras minhas faltas,
que eu possa provar ao digno director e
ao ilustre corpo docente dêste estabelecimento
de instrução, a que agora muito me honro de
pertencer, quanto desejo contribuir para o bom
nome e reputação desta Escola, e finalmente
que eu possa ter o maior e melhor pago que
desejo ter: o poder ouvir dizer aos meus alunos
que na vida prática de bastante lhes serviu
o que procurei ensinar-lhes, os conhecimentos
que lhes transmiti, os hábitos que lhes criei
e as prelecções que lhes fiz.
A ARTE DE EDUCAR
E A PSICOLOGIA EXPERIMENTAL[2]
«To educate is to bring out all the
powers that are in the child and to
traim him to use them to the best
advantage of himself and indirectly of
the nation of which he is a part».
(Miss
C. Aguther,
Child Study,
June, 1917).
Minhas Senhoras e meus
Senhores:
A arte de educar é fundamentalmente a
arte de regular a conduta presente e futura
dos que se têm de educar. Implica forçosamente
o conhecimento da conduta, das causas
dela, do seu mecanismo e das possibilidades
que o indivíduo oferece. A arte de educar assenta
[18]
como a arte de curar, na anatomia e na
fisiologia e assim como o médico, médico que
tenha de exercer a profissão, tem não
só de
conhecer as doenças e os remédios, mas
tambêm
conhecer os doentes e encontrar as indicações,
assim tambêm o educador, que tenha
de educar, tem não só de conhecer os fins da
educação e os meios da
educação, a pedagogia
e a metodologia, mas tambêm de saber conhecer
o educando e encontrar a fórma de
educação
que mais lhe convenha e se adapte ao seu
feitio. E assim como para o estudo do doente
não basta conhecer os sintomas das doenças,
porque é necessário sabê-los observar,
assim
tambêm não basta ao educador conhecer os
fenómenos da educação, a psicologia,
mesmo
que esta tenha a feição moderna e
scientífica,
e se chame psico-fisiologia ou psicologia experimental,
é necessário tambêm principalmente
possuir a técnica da observação e da
experimentação.
Saber psicologia pode não ser saber
fazer psicologia, como saber quais os sintomas
das doenças pode não ser saber
observá-los e
fazer diagnóstico.
Ensinar num curso prático de psicologia
experimental, que é como oficialmente se chama
o curso que tive a honra de ser chamado
a reger, ensinar nesse curso numa Escola Normal,
é fundamentalmente ensinar o que fôr
preciso para habilitar os futuros professores a
conhecer e praticar os meios scientíficos de estudar
práticamente os fenómenos mentais, isto
é, possuir as regras e os meios de condicionar
êsses fenómenos, por fórma a que outros
os
[19]
possam observar nas mesmas condições, e
verificá-los.
Educar não é hoje, como noutros tempos
se supunha, criar, é essencialmente orientar.
Não é lutar contra a natureza. O educador dos
homens como o educador dos animais, tem que
aproveitar as boas tendências, os talentos, para
os enriquecer e desenvolver, como dos instintos
diz o educador e moralista Foerster, falando do
ensino dos animais. E quanto às más
tendências,
tem que saber inibi-las, ou sublimá-las.
Talvez que nesta altura, para lhes dar uma
exacta idea acêrca do valor e possibilidades
do ensino e quebrar-lhes preconceitos que a
todos os professores desta Escola pertence o
combater, e isto, por minha parte, na intenção
de aproveitar o pretexto de demonstrar que a
arte de educar hoje assenta e quási se confunde
com a arte de estudar os fenómenos
psíquicos, com a psico-técnica, talvez que, para
isso, não lhes pudesse de momento aconselhar
melhor leitura, como leitura prévia, do que a
do livrinho
Criminalidade e
Educação, do Sr.
Padre
António de
Oliveira que não é
só, como
todos sabem, uma admirável figura de filântropo,
mas, mais do que isso, uma figura notável
de educador, com vocação e larga e
valiosíssima
experiência.
É preciso que a arte de educar seja como
a arte de curar.
É necessário ouvir tambêm o
prático, ouvir
o que educa, ouvir o que cura, sobretudo quando
sucede como deve ser, que a arte que praticam
[20]
seja arte esclarecida pela sciência, e não
simples empirismo.
Educar é condicionar intencionalmente as
reacções do indivíduo. Educar,
portanto, implica,
primeiro do que tudo, o saber estudar as
causas e mecanismo das reacções individuais.
E o estudo dessas reacções feito
experimentalmente
tem o maior interêsse e importância
para o educador. Muitas dessas reacções
são
de ordem interna e só o próprio
indivíduo as
pode observar directamente, mas essas mesmas
são acompanhadas doutras reacções,
acessíveis
ao estudo directo dos outros e portanto podem
ser estudadas objectivamente, sem intervenção
do exame dos próprios em que elas se dão.
O educador, em resumo, tem de estudar o mecanismo
das reacções individuais e a maneira
scientífica de as condicionar.
De acôrdo com estas ideas, já a dentro da
velha Escola Normal, onde tive a honra de
reger durante alguns anos o
Curso de
Pedologia,
o meu distinto colega naquela e nesta Escola
Sr. Professor Dr.
Alberto
Pimentel, cujo
livrinho de lições lhes aconselho, procurou
orientar o ensino teórico da Psicologia. Eu,
por minha parte, completarei êsse trabalho
ensinando-lhes a técnica dos estudos
psicológicos,
segundo essa orientação.
Disse eu que a psicologia experimental se
prende tanto com a arte de educar, que por
vezes até quási se confunde com ela.
Não é
quási se confunde, confunde-se até. Em psicologia
animal, ramo da psicologia quási desconhecido
entre nós, a psicologia experimental
[21]
funda-se na
educabilidade,
é o proprio exame
da educabilidade, é a propria arte da
educação
exercida com o fim de estudar os fenómenos
e os recursos mentais do animal.
Vejam por exemplo, para fácilmente e sob
uma fórma agradável apreenderem melhor o
assunto, o excelente livrinho de
Hache-Souplet,
director do Instituto de Psicologia Zoológica,
intitulado
De l'animal à
l'enfant (Bibl. de ph.
contemporaine) e que se pode considerar um
pequeno manual adoptável na preparação
dos
professores de ensino infantil.
Não se surpreendam com êste atrevido conselho
de lhes indicar um livro de psicologia
zoológica, como meio de preparação
pedagógica.
Há grandes afinidades entre a psicologia
dos animais superiores e a das crianças e sobretudo
é a estas duas psicologias, a zoológica
e a infantil, que é, quando não
indispensável,
pelo menos mais necessária a prática
dos métodos da psicologia objectiva. Num dos
melhores e mais modernos livros de
psicologia
pedagógica, o de
Thorndike,
notável
professor
de psicologia pedagógica numa escola de mestres,
têm um livro cheio de estudos interessantes
de psicologia zoológica sôbre a
inteligência
dos animais, estudada pelos meios da
psicologia experimental; e o afamado e emérito
psicólogo suisso, cujo nome já vai sendo
banal citar entre nós, o Professor
Claparède
disse, ao publicar o programa do Instituto de
Sciências da Educação de Genebra:
«Para
ser completa uma escola de sciências da
educação
deveria possuir um serviço anexo...,
[22]
quero dizer, um laboratório de psicologia
animal...»
Adestrar um animal, regular-lhe a conduta,
é aprender muitas vezes a ensinar uma criança.
Algumas vezes, por isso, recorrerei, se as
circunstâncias o permitirem, a alguns exercícios
de psicologia animal, para lhes esclarecer
uma ou outra questão psicotécnica
pedagógica.
O exame objectivo das reacções será o
escopo
principal do meu curso. Curso prático de
psicologia objectiva podia bem ser o título a
dar-lhe. Psicologia objectiva não quere porêm
dizer, que seja exclusivamente um curso de
psico-fisiologia, como muitos podem supor. A
psico-fisiologia é apenas uma parte da psicologia
objectiva, aquela em que se estudam as
variações fisiológicas,
própriamente ditas, que
acompanham ou condicionam os fenómenos
mentais. As reacções exteriorizam-se
tambêm
por outras fórmas, que não podem
sómente
ser estudadas pelos métodos da fisiologia.
O estudo das reacções provocadas por certos
reagentes mentais é um verdadeiro estudo
pedagógico. Outra cousa não é a maior
parte das vezes o estudo dos chamados
tests,
como é por exemplo o dos
tests para a medida
da inteligência, de que por certo já têm
ouvido
falar e talvez tenham já visto descritos.
A psicologia experimental será talvez ainda
preferível à psicologia objectiva, porque a
psicologia
experimental atinge tambêm o estudo
introspectivo dos fenómenos mentais, o seu
estudo directo, e êste há-de-nos ser preciso
quando se tratar do estudo da psicologia do
[23]
professor, da psicologia de quem ensina, porque
o ensino não depende só da psicologia do
educando, mas tambêm da do educador, e bom
é que êste aprenda a saber examinar-se, a estudar
as reacções que o aluno e a escola nele
determinam para examinar a sua aptidão, e
a corrigir vícios de reacção, que
são por vezes
causa de graves perturbações escolares.
Não é
só o aluno anormal que perturba a classe, é
o professor anormal, é o que não se adapta
à
profissão, é o que não a sabe
praticar, por
falta de cultura ou por falta de
intuìção.
No aluno professor poder-se há com vantagem
praticar a psicologia experimental subjectiva.
A psicologia experimental não é apenas
a psicologia objectiva, repito. E a propósito
lembrarei as palavras do fisiologista francês
Prof.
Ch. Richet:
«A
observação interior constitui
uma psicologia de observação tam fecunda,
tam legítima, como a psicologia a mais experimental
que se possa imaginar. Os factos
assim adquiridos pelo estudo do
eu
têm tanto
valor como os fenómenos fisiológicos registados
nos laboratórios pelos métodos mais
aperfeiçoados
da técnica contemporânea.»
Apesar de tudo, porém, o nosso curso será
principalmente um curso de técnica objectiva,
porque êle visa, primeiro do que tudo, o estudo
psicológico do educando e porque é minha
tenção, mesmo quando se trate da
prática da
psicologia subjectiva, recorrer a ela apenas
como um auxiliar da psicologia objectiva. A
propósito recordo os dizeres do grande
Binet:
«Em nossa opinião, diz êle,
não é preciso procurar
[24]
limitar e simplificar as respostas do indivíduo
em experiência, é preciso, pelo
contrário,
deixar-lhe a plena liberdade de exprimir
o que sente, e mesmo convidá-lo a expressamente
se observar de perto durante o decurso
da experiência; esta maneira de proceder tem
a vantagem de não restringir a
investigação
ao círculo da idea preconcebida: podem-se
constatar muitas vezes factos novos e não previstos,
que muitas vezes tambêm permitem
compreender o mecanismo dum certo estado
de consciência.»
Com felicidade, pois, se chamou «Curso prático
de psicologia experimental» ao curso de
técnica psicológica desta Escola, criado pelo
Sr. Ministro de Instrução, Prof. Dr.
Alfredo de
Magalhães, cujo nome deve merecer sempre
a
todos nós, desta Escola Normal, uma grata homenagem,
pela atenção que lhe merecemos e
pelo entusiasmo, apaixonado entusiasmo e energia,
com que procurou instalar e proteger a
nova Escola. O curso prático, e acentuo a palavra
prático, de psicologia experimental será
uma maneira de logo, desde o início da
freqùência
da Escola Normal, habituar o futuro
professor, a sentir-se professor, a despertar-lhe
e trenar-lhe a aptidão, a pô-lo em contacto
real, directo, concreto com a massa que tem
de trabalhar, com a sublime argila que tem
de moldar: a alma tal qual ela é.
Trabalhar a alma da criança com alma e
com arte, com arte e com acêrto, com acêrto e
com sciência, tal é o nosso escopo.
A psicologia que havemos de praticar, será,
[25]
mais uma vez o digo, de carácter principalmente
objectivo, não só pela dificuldade, se
não impossibilidade, do exame subjectivo no
meio e com os indivíduos que temos de trabalhar,
não só porque o exame objectivo
constitúi
uma fórma excelente de fazer a
educação
scientífica do aluno professor, de dar-lhe
hábitos
de observação e experiência
extrospectivos
ou melhor exteriores, essenciais à arte de educar,
mas tambêm porque em psicologia, pode-se
dizer, que o que mais importa ao educador
são os actos psíquicos, os fenómenos
mentais
de que introspectivamente se tem menos conhecimento.
Em psicologia pedagógica o sub-consciente
vale mais que o consciente. E mesmo quando
ao educador compete regular o comportamento
do adulto, quando ao educador compete fazer
reeducação, compete-lhe principalmente examinar
o sub-consciente, porque é nele que se
guarda a fôrça que a experiência
anterior gerou
e que regula e influi, por vezes, mais do
que nenhuma, no comportamento do indivíduo.
A conduta é principalmente governada
pelo sub-consciente e neste tem tanta influência
a infância, o que ela foi em cada um, que
quando a fadiga ou a doença perturba o exame
introspectivo e a fiscalização, censura e
govêrno, que por meio dele podemos exercer
nos nossos actos, é a mentalidade infantil que
aparece, se exterioriza e nos revela, tal como
fomos e no íntimo somos.
Uma escola de psicologia há até, que hoje
[26]
já invadiu a filosofia, a medicina e a pedagogia,
que assenta tôda no estudo do sub-consciente
e particularmente na pesquisa das impressões
que nele gravou a vida sexual. Refiro-me
à
psico-análise, de
Freud e seus
sequazes,
que, apesar dos ataques violentos que
tem sofrido, mormente depois da declaração
da última guerra (mais talvez por xenofobia do
que por outra cousa), contém muito de verdade.
Tirado o que há de místico, de escabroso
e de exagerado no seu pansexualismo, a psico-análise
pode e deve ser conhecida pelo educador.
E, para terminar com estas referências à
questão da importância do consciente e do
sub-consciente em educação, lembrarei a
já
banalizada definição de
Gustavo
Le Bon:
A
educação é a arte de fazer passar do
consciente
para o inconsciente. A
reeducação, essa
é muitas vezes o trabalho oposto, digo eu, o
de trazer do inconsciente ao consciente, para
transformar e depois voltar a tornar inconsciente.
A educação, na idea de
Bacon, é o
conjunto
dos hábitos adquiridos na infância. A
reeducação
é muitas vezes a correcção
dêsses hábitos;
mas tanto em educação como em
reeducação
há que aproveitar a Natureza, porque ela,
ainda segundo
Bacon,
não se governa, senão
deixando-a governar, conhecendo-a, aproveitando-a,
seguindo-a.
[27]
Meus Alunos:
A arte de educar, como logo no princípio
eu disse, é a arte de regular a conduta presente
e futura do educando, e a psicologia experimental,
de escôpo pedagógico, é a psicologia
que pela experiência ensina a conhecer as
causas, o mecanismo da conduta do indivíduo
ou da classe a educar.
Psicologia experimental é quási pedagogia
experimental. E não imaginem que esta pedagogia
experimental é menos do que a outra,
porque não tem em conta os ideais, a parte
política, religiosa, social, a finalidade da
educação.
Não.
O Ideal quando não é factor da
acção, é
produto da acção, ou as duas cousas ao mesmo
tempo, factor e produto da experiência pessoal,
e o que nós vamos aprender é a arte de
estudar práticamente, experimentalmente, os
factores e o mecanismo da acção, ou melhor
das reacções do indivíduo sujeito
à influência
dos meios, isto é, ainda a parte prática,
experimental,
utilitária, debaixo do ponto de vista
educativo, que talvez melhor do que psicologia,
se poderia chamar, à maneira de
Bechterew,
a
reflexologia
pedagógica, e nela bem
podemos estudar o valor, a acção e a
formação
dos ideais.
[28]
Com isto declaro aberto o «Curso prático de
psicologia experimental», que neste semestre
será essencialmente um curso de propedêutica,
destinado ao estudo das noções preliminares
e fundamentais de anatomia, fisiologia e psicologia,
que mais importam à
psico-técnica...
Disse.
15-III-919.
O PÊSO DO CORPO DA CRIANÇA[3]
Meus Alunos
Senhoras e Senhores
Quiz um pouco o acaso que o
pêso do corpo
da criança fôsse o tema da minha
última lição.
O fim do ano, como sabeis, veio-nos surpreender
num ponto ainda atrasado do programa a
que me obrigára: o estudo dos métodos da
pedologia
somática, particularmente da pedometria
e com ela o dos principais caractéres métricos
da criança. O pêso do corpo da criança
terá que ser o tema da lição de
encerramento
do meu curso dêste ano. E, embora pareça o
contrário, talvez não pudesse encontrar melhor
tema para encerrar o concurso.
A lição de abertura que vos li foi, como
[30]
devia ser, uma lição-programa e uma
lição-promessa.
Na lição de encerramento que vou ler-vos
tambêm, procurarei fazer com que ela seja
o que deve ser uma lição de encerramento:
uma lição em que até certo ponto se
recapitulem
as noções principais expostas durante o
curso, uma lição-conclusão, e uma
lição em que
se procure provar a realização de algumas das
promessas que se haviam feito na lição inicial.
A criança é fundamentalmente um ser humano
em via de crescimento; é um homem ou
uma mulher em via de formação. A sua principal
função é crescer, procurando atingir a
grandeza que a hereditariedade lhe destinou e
alcançar o equilíbrio morfológico e
fisiológico
do adulto, que constitui a perfeição do ser.
Respeitar o crescimento, a lei natural do crescimento,
é o principal dever do educador, e
tôda a educação se tem de subordinar a
esta
questão de medida:
não perturbar
a lei natural
do crescimento.
O pêso não cresce como deve ser? Diminui,
pára, aumenta de mais ou de menos? Um problema
se põe. O regimen de vida ou de
educação
provavelmente não é o que convêm.
Modifique-se
e observe-se, por exemplo por meio
da balança, a influência das
modificações. A
balança guia a higiene, e na higiene assenta a
educação. Por isso, com razão dizia eu
no Congresso
da Liga Nacional contra a Tuberculose,
em 1907, e o repetia no Congresso Pedagógico
do ano passado: «O problema escolar é
essencialmente
um problema métrico.»
Mas mesmo que a medida do pêso e sobretudo
[31]
a da sua evolução não servisse, como
serve, para julgar da saúde e do estado da
nutrição da criança e por
êle aferir o valor do
meio em que a criança vive e dos meios educativos
de que se serve quem dela cuida, mesmo
que o estudo das variações do pêso
não
tivesse grande significação para os educadores,
ainda assim, como muitas vezes vos tenho dito,
valeria a pena ensinar o professor a pesar a
criança. Mais do que uma vez, na realidade,
vos tenho afirmado que uma das vantagens
do ensino da pedologia aos futuros professores
está em ela servir excelentemente para
fazer a sua educação scientífica, para
os ensinar
a observar, a descrever, a medir, a experimentar,
a analisar e a criticar, para aperfeiçoar
o
bom senso, que é a
mesma cousa que o
espírito scientífico, que permite sentir e
descobrir
a realidade e medir a possibilidade. O
bom senso é a principal
qualidade de carácter
de qualquer e principalmente do professor.
Aprender a pesar é aprender a julgar, e
com razão, por isso, um médico francês,
o Dr.
Baudrand, numa tese
extensa e
notável sôbre
o crescimento, diz: «Um médico que regista o
pêso assemelha-se ao magistrado que aprecia
o valor de um prejuízo e calcula o valor da
indemnização.»
A pesagem tem ainda sôbre outras muitas
medidas pedométricas a vantagem de ser a
mais fácil de tôdas; nem exige instrumentos
especiais, nem técnica muito diferente da das
pesagens mais comuns e, porque está sujeita
a menos erros, permite ao professor ou ao
[32]
médico não ser tão
fácilmente logrado, como
sucede com muitas outras medidas pedométricas,
que praticadas mesmo às vezes por quem
tenha cultura especial levam a conclusões falsas,
a listas de números que outra cousa não
são mais do que números, vistosos na
aparência,
mas vazios na significação.
Meçam sim, mas meçam
só aquilo que fôr
fácil de medir, menos sujeito a erros e que
sirva para julgar da saúde do educando, e
das influências que sôbre êle tem o
regimen
de vida e os métodos de ensino.
Mais uma vez insisto, chamando-lhes a atenção
para a obrigação que têm—quando
medirem
e quizerem apresentar os resultados de
suas medições—de exporem minuciosamente o
modus faciendi que adoptaram e se
darem ao
trabalho de, pelo menos nas primeiras medidas,
repeti-las algumas vezes, no mesmo sujeito e
na mesma sessão, para verificar a técnica. O
observador não tem só que conquistar a
confiança
dos outros, precisa tambêm de conquistar
a sua própria.
O pêso do corpo do escolar, não obstante
haver balanças especiais, pode tomar-se com
uma balança décimal ordinária,
aferida, e convêm
que quando, por qualquer razão, se não
possa despir completamente a criança, ela tenha
sôbre si o menor número possível de
peças
de vestuário: um leve calção nos
rapazes,
uma simples saia ou uma saia e um corpete
nas raparigas. A pesagem deve fazer-se no
mesmo indivíduo, sempre à mesma hora, de
preferência de manhã, e nas
condições o mais
[33]
idênticas que fôr possível.
Convêm tambêm
repetir a pesagem em cada ano, com intervalo
de semestre, por exemplo.
Podem parecer exageradas as precauções
que acabo de aconselhar, mas não o são por
que é bom saber-se que as variações do
pêso
não são sempre sinal de crescimento, e porque
tambêm está provado que o pêso da
criança
como o do adulto oscila durante o dia, e de
época para época do ano.
Há oscilações
regulares diárias do pêso.
De manhã, ao levantar da cama, todos pesam
menos do que à noite. Esta diferença de
pêso
chega a ser, numa criança de dez anos, de setecentos
gramas, e num adulto pode chegar a
um quilo (
Camerer),
quilo e meio
(
Ammon). Parece
resultar êste facto de que durante o dia,
as perdas que se sofrem por saída de substâncias
do organismo são compensadas pela
entrada de substâncias reparadoras, enquanto
que durante a noite as perdas não são
compensadas.
Nos adultos a diminuição do pêso
durante a noite é em média igual à
elevação
do pêso durante o dia, mas nas crianças a
diminuição
do pêso durante a noite é menor do
que a elevação durante o dia, o que corresponde
ao crescimento.
Pode algumas vezes observar-se uma diferença
de gramas a mais, simplesmente porque
o intestino ainda não se esvaziou.
As estações influem tambêm e produzem
oscilações no pêso. Está
provado que êste aumenta
mais de agosto a dezembro do que de
abril a junho. O aumento máximo verifica-se
[34]
no primeiro período apresentado e o mínimo
no segundo. De dezembro a abril o valor do
aumento é intermédio. Estas
oscilações podem
depender ou resultar de desarranjos que o
organismo experimenta com as mudanças de
estação e tambêm com mudança
de hábitos
que podem levar a aumentar ou a diminuir as
perdas. A sudação e os jogos, por exemplo,
tudo que modifica a função dos
emuntórios
ou a desassimilação, tudo pode influir. Aos
factores metereológicos devem juntar-se os da
metereologia do ensino, os exames
por exemplo,
que desarranjam e consomem. O conhecimento
dêstes factos levou-me a determinar, de
acordo com o distinto médico-inspector da
Casa Pia e seu professor, Dr.
Jorge
Cid, que
a medida e observação periódica de
todos os
alunos fôsse feita duas vezes ao ano, nos primeiros
meses do ano lectivo, a começar em
outubro, e naqueles que imediatamente precedem
as férias grandes, nos três últimos.
Ás vezes, com a melhoria da
alimentação,
com a mudança de ares, com a liberdade, a
criança aumenta extraordináriamente de
pêso,
como por ex. observei na
colónia de
férias,
instalada na Figueira da Foz, por iniciativa e
sob a protecção do meu mestre Dr.
Bernardino
Machado,—colónia em que vi
crianças
aumentarem
cinco vezes mais do que
em igual
período aumentaram alunos da mesma idade,
dum colégio excelente, como é o
Colégio Militar
(vidè medidas do Dr.
Mascarenhas
de
Melo, apresentadas no Congresso Internacional
de Medicina de 1906, e o meu artigo,
Uma
[35]
colónia de
férias, publicado no
Boletim da Assistência
Nacional aos Tuberculosos, em 1908).
Êste facto, que tem sido observado por
vários, dos grandes aumentos de pêso que,
às
vezes mesmo ao fim de quinze dias, se notam
nas
colónias de
férias das crianças pobres das
cidades, dessas que eu chamei em tempos pobres
exilados da Natureza, mostra bem a
importância
destas instituições peri-escolares: as
colónias, para que me
não canso de vos chamar
a atenção, instigando-vos a promover sempre
que vos fôr possível a sua
organização,
mas sempre com o auxílio do médico, a quem
cabe a selecção dos casos e a
indicação daqueles
a quem convêm a praia e daqueloutros a
quem o campo mais convêm.
Na apreciação do pêso do aluno deve
ter-se
em vista mais a fórma porque êle cresce
do que a diferença do seu pêso para a
média
dos da sua idade. Muito seria para desejar
que à semelhança do que se faz, por ex. em
Bruxelas, o professor dispuzesse de uns cartões
quadriculados onde apontasse o pêso do
corpo de seu aluno em cada ano e fôsse traçando
a curva da sua variação ao lado da
curva média normal, que convinha se tratasse
de obter com dados colhidos entre nós. Muito
convinha, direi de passagem, que se generalizasse
o uso da
Caderneta da mocidade, da
Instrução militar
preparatória, tal como está,
ou melhor,
simplificada.
Nem a todos é destinado o mesmo tamanho:
há crianças leves e crianças pesadas,
como
há indivíduos altos e indivíduos
baixos, indivíduos
[36]
loiros e indivíduos morenos. A inferioridade
do pêso, por isso, nem sempre significa
que a criança sofre. Mas acresce a isto o não
termos ainda, nós portugueses, médias nossas,
pelas quais nos possâmos seguramente guiar.
A raça influi no pêso, e a
composição étnica
de cada povo deve influir na média do pêso
absoluto da sua população, em cada idade.
Para as raparigas portuguesas não conheço
tabela alguma; para os rapazes costumo guiar-me,
enquanto não organizo uma tabela com
os pêsos observados nos rapazes da Casa Pia,
costumo guiar-me, dizia, pelas observações do
Dr.
Mascarenhas de Melo,
publicadas nos
Anuários do Colégio
Militar e de que aquele
meu distinto colega fez um apanhado na sua
comunicação ao Congresso Internacional de
Medicina, realizado em Lisboa em 1906,
comunicação
intitulada:
Sur l'Antropométrie
médicale.
As tabelas do Dr.
Mascarenhas de
Melo
servem, porêm, apenas para o estudo do pêso
dos dez aos dezanove anos. Sôbre estas
observações
e sôbre pedometria escolar podem vêr
um pequeno relatório que com o
título—
Antropometria
escolar—escrevi para o Congresso
da Liga contra a Tuberculose de 1907 e que
com poucas modificações foi reimpresso o ano
passado, por ocasião do Congresso Pedagógico
de Lisboa[4].
[37]
A título de curiosidade porei em face umas
das outras algumas médias das tabelas do Dr.
Mascarenhas de Melo
(observações portuguesas)
e algumas extraídas dum trabalho de
Camerer, de
Stuttgart:
Idades |
Rapazes
(Masc.as
de Melo) |
Rapazes
(Camerer) |
Raparigas
(Camerer) |
10 |
anos |
|
29 |
kg. |
30 |
kg. |
27 |
kg. |
11 |
» |
|
30,5 |
» |
32,5 |
» |
29 |
» |
12 |
» |
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33 |
» |
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» |
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37,5 |
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48 |
» |
Uma alemã parece pesar, a partir dos catorze
anos, mais do que uma portuguesa da mesma
idade.
[38]
Estas médias são às vezes
assombrosamente
excedidas, nos casos de obesidade. Neste momento
estou tratando na minha clínica particular
de um rapaz de quinze anos, um obeso
com gigantismo, obeso hipófiso-genital, que
pesa bastante mais de cem quilos!
O primeiro ano da vida é aquele em que o
pêso aumenta mais. Em média, segundo
Camerer,
por ex. ao nascer, um rapaz pesa três
quilos e quatrocentos gramas e uma rapariga
três quilos e duzentos gramas. Na Maternidade
de Lisboa, no tempo do Prof.
Alfredo
da Costa (1899-1904), a média do
pêso dos
rapazes foi de 3
kg,236 e a do das raparigas
3
kg,103.
Nos dois primeiros dias a criança perde uns
duzentos gramas, mas ao oitavo ou ao nono
recupera o pêso da nascença. O aumento
diário
das crianças criadas ao peito, ainda por
ex. segundo
Camerer,
anda por uns
30 gr.
até à quarta semana, de 26-28 da quinta
à décima
segunda, de 20-24 da décima terceira à
vigésima, de 16-18 da vigésima primeira
à trigésima
sexta, e de 10-15 da trigésima sétima
à
quinquagésima segunda.
No quinto mês da vida, em regra, a
criança
dobra de pêso, e ao fim do primeiro ano
costuma tê-lo triplicado. Pode dizer-se que
nos
cinco primeiros meses o aumento é de cêrca
de setecentos gramas por mês; nos cinco meses
seguintes é metade menor. Daqui a regra indicada
por
Terrien para
calcular o
pêso de uma
criança de peito durante o primeiro ano: para
os cinco primeiros meses, multiplicar 700 pelo
[39]
número de meses que a criança tem e juntar
ao produto o pêso que ela tinha à
nascença;
para os cinco meses seguintes, multiplicar 350
pelo número de meses que ela tem
alêm do 5.º,
e juntar-lhe o pêso do quinto mês, isto
é, o
dôbro do pêso à nascença.
«No segundo ano de vida o aumento de
pêso é notavelmente menor que no primeiro e
chega tam só, tanto nos rapazes como nas raparigas,
a cêrca de dois quilos e meio; dos
três aos cinco anos o crescimento diminui um
pouco mais, não passando de um a dois quilos
por ano. Finalmente, ao fim do quinto ano os
rapazes vêem a ter 18 quilos e as raparigas
17. A partir desta idade, até aos catorze
anos, os
rapazes aumentam de 2 a 3
quilos;
segue-se depois dos
quinze aos
dezóito um período
de maior crescimento, com aumento anual
que pode chegar a oito quilos. Nas
raparigas
o acréscimo anual pode manter-se até aos doze
anos à volta de dois quilos, e dos
13 aos
16
o aumento anda por uns 4 a 5 quilos. A partir
dos
16 nas raparigas e dos
19 nos rapazes,
o acréscimo pode cessar. Em regra, porêm,
poucos são os indivíduos nos quais permanece
estacionário o pêso adquirido aos 16
ou aos 19.» (
Camerer).
Duma longa série de observações feitas
em
crianças portuguesas de escolas primárias
oficiais
do Alentejo e de escolas primárias não
oficiais de Lisboa, série infelizmente pouco
homogénea
e insuficiente para algumas idades,
dessa longa série de observações
feitas pelo
Dr.
Moraes Manchego
e pelo Sr.
Major
Desidério
[40]
Beça,
tirou o Dr.
Manchego os elementos
com que construiu uma curva de crescimento
do pêso em portugueses de 6 a 19 anos
de idade, curva que conjuntamente com algumas
tabelas interessantes, foi apresentada
num trabalho daquele distinto
médico:—
Contribuição
ao estudo do crescimento da criança
portuguesa (Trabalhos do 3.º Congresso
Pedagógico,
realizado em abril de 1912, por iniciativa
da Liga Nacional de Instrução
[5]. Por
ser interessante e dizer respeito a observações
portuguesas, transcrevo dêsse trabalho, digno
de apreço, as seguintes linhas:—«Na curva
portuguesa há primeiramente um pequeno
acréscimo com o máximo nos 8 anos, que joga
perfeitamente com o acidente similar já apontado
no mesmo trôço da curva homóloga da
estatura, depois vem um crescimento quási
insensível
até aos 12 anos; a seguir apresenta-se
uma depressão, e aos 13 anos começa o
crescimento muito intensivo com o máximo
absoluto aos 16 (êste acréscimo é de
6
k,8);
depois desta idade a curva desce muito de
ano para ano, sendo o acréscimo para os 19
anos apenas de 1
k,5. O aumento de pêso
dos
6 aos 19 anos é de 36
k,8, isto
é, o
pêso que
aos 14 anos já duplicou é aos 19 superior ao
triplo do que corresponde aos 6 anos.»
[41]
O que convêm, porêm, principalmente fixar
é que durante o crescimento se observam dois
períodos de crescimento máximo: o primeiro
período corresponde ao primeiro ano da vida,
e o segundo nas
raparigas ao que vai
dos
doze aos dezasseis anos e nos
rapazes dos
quinze
aos dezóito. O primeiro dêstes
períodos é,
como diz
Camerer,
uma
continuação da excessiva
energia fetal do crescimento (lembremo-nos,
como faz notar
Variot,
que em nove
meses
se passa de um óvulo de duas décimas de
milímetro a um féto que mede meio metro e
pesa cêrca de três quilos!)
O segundo período de crescimento máximo
corresponde, tanto nos rapazes como nas raparigas,
à puberdade.
As condições de vida das mães influem
no
pêso dos filhos. Sem ir buscar exemplos lá de
fóra, basta dizer-lhes, para documentar a
afirmação,
que o falecido e ilustre professor da
Escola Médica de Lisboa,
Alfredo
da
Costa,
encontrou notáveis diferenças entre os pesos
à
nascença dos filhos de mulheres que passaram
os últimos tempos da gravidez em repouso e
tranquilidade moral e os daquelas que pelo
contrário até ao último momento
trabalharam
e viveram na miséria. As crianças destas
últimas
pesavam sempre menos.
Niceforo, no seu
afamado
volume—
Les
Classes Pauvres,—publica um quadro comparativo
do pêso médio de umas séries de rapazes
e raparigas, por onde se vê que o pêso
médio é mais baixo nas crianças pobres
do
que nas ricas, da mesma idade.
[42]
Ley e outros
verificaram que em
regra as
crianças atardadas são inferiores em
pêso aos
normais que em idade lhes correspondem. E
Sluys, o antigo e
illustre
director da Escola
Normal de Bruxelas, num interessante opúsculo
que muito vos recomendo—
Loi de
Croissance,—chama
a atenção para o emmagrecimento
dos sobreexcitados e sobrecarregados pelos
trabalhos de preparação dos exames
[6]. E
já
que acidentalmente vos recomendei a leitura
dêste livro sôbre as
variações do pêso do corpo
da criança, não quero deixar de vos aconselhar
tambêm a leitura do que escreveu e das
tabelas que sôbre o pêso publicou nas suas
Lições de
Pedologia o nosso distinto conterrâneo
Dr.
Faria e Vasconcelos,
professor
em
Bruxelas, de quem por várias vezes tenho tido
o prazer de vos falar.
Afinal a balança, como fiz vêr, pesa, mede
a marcha da nutrição e permite apreciar as
condições de vida e os regimens de trabalho.
Perturbar o crescimento é perturbar a vida, é
afrouxar os meios de defesa, é predispor para
a doença, é inferiorisar o indivíduo.
Foi minha tenção ler-vos esta
lição de encerramento
do curso, no
Lactário de
Lisboa,
[43]
instituição que eu muito desejava que visitasseis
em minha companhia.
De facto, em nenhum sítio melhor eu poderia
mostrar o valor da medida do pêso nas
crianças. Nos lactários, nessas benemeritas
instituições
destinadas a distribuir leite para alimentação
artificial das crianças, cujas mães,
por doença, e as mais das vezes apenas por
imposição do trabalho, não podem
amamentar,
a balança não é apenas um meio de
estudar o
crescimento, é um meio de salvar a vida. A
aleitação
artificial desregrada é uma espécie de
infanticídio que vitíma muitas
crianças. Graças
à balança, o médico pode dirigir a
alimentação
por fórma a evitar muitos e danosos
males.
Mas, meus alunos, os lactários e as consultas
para recemnascidos não são apenas
laboratórios
de pesagem e agências de alimentação
láctea. São verdadeiras escolas que em muita
parte com êxito freqùentam normalistas como
vós, que ali vão aprender a alimentar e a tratar
de crianças.
Para o ano, se me fôr permitido e se se
me oferecer, como espero, ocasião e facilidade,
procurarei fazer com que o
Lactário e o
Instituto de Puericultura, da rua
Alexandre
Herculano, para que agora chamo a vossa
atenção, se relacionem com esta Escola Normal.
A preparação do professor deve ser uma
espécie de preparação materna.
Professoras ou professores só têm a ganhar
com se habituarem a lidar desde muito
[44]
cedo com crianças, e a estudá-las,
estimá-las
como pais. E êste deve ser a meu vêr o principal
fim da co-educação na Escola Normal.
De resto, eu quereria que desde o primeiro
ano do curso, alunos e alunas estudassem Pedologia
para se habituarem a viver com as
crianças, para se habituarem a vê-las
não só
no mutismo e no rijo formalismo, muitas vezes
necessário, das aulas, onde se lhes estanha a
fisionomia, se lhes paralisam os movimentos,
se lhes esconde a graça, se lhes abafam os
sorrisos, se lhes sufocam os cantares, mas tambêm
para se habituarem a vê-las, e lidar com
elas, quando em plena liberdade, com a eloqùência
da sua mímica, com a alacridade dos
seus gritos, esfusiando alegria, irradiando afectividade,
nos prendem, nos alegram, nos comovem,
nos enternecem, nos interessam e nos
fazem estimá-las, compreendê-las,
protejê-las,
e educá-las.
Meditai as palavras de
Waynbaum,
com que
terminarei a minha lição e que se referem
à
fisionomia da criança:
«A voz do sangue, o amor da progenitura,
o instinto natural pouco entram na constituição
dêste sentimento sólido e orgânico que
fórma o amor do pai pelo seu filho. Estes laços
naturais, hereditários, existem certamente,
mas não valem o laço que a própria
criança
cria e faz aparecer no nosso coração,
êsse laço
que é uma arma poderosa que a natureza lhe
deu e de que ela largamente usa para se
prender a nós, para se tornar uma parte de
nós mesmos.»
[45]
Meus alunos, senhoras e senhores, que em
breve todos sejais professores.
Futuros pais, sêde bons professores:
futuros
professores, sêde como pais[7].
Lisboa, 19-IV-915.
A AGUDEZA VISUAL
E A AUDITIVA DEBAIXO DO PONTO
DE VISTA PEDAGÓGICO[8]
Minhas Senhoras e Meus
Senhores
Meus Alunos
Sejam as minhas primeiras palavras, no dia
de hoje, de saúdação e agradecimento e
principalmente
de agradecimento para com S. Ex.
a
o actual Ministro da Instrução Sr. Prof.
Ferreira
de Simas, e para com o Conselho desta
Escola a quem sobretudo devo a honra de
poder novamente retomar êste logar, grato para
mim como nenhum outro, e onde poderei continuar
a série de lições que o ano passado
iniciei, desejando e esperando que elas, pelo
menos, sejam tam atentamente ouvidas e tam
[48]
proveitosas como o ano passado tenho a certeza
que foram.
Meus Alunos
Posso dizer que a lição que vou fazer-vos,
embora seja a lição de abertura do meu curso
dêste ano, não é no entanto a primeira
lição
que êste ano vos dou. A primeira foi aquela
que cada um de vós recebeu, quando eu, acedendo
ao criterioso convite do Sr. prof.
Tiago
da Fonseca, secretário desta Escola,
procedi à
medida da agudeza visual e da auditiva de
cada um dos que pretendiam matricular-se, a
fim de que na sua distribuição pelas turmas e
pelas salas se atendesse às indicações
tiradas
daquele utilíssimo exame.
Procedi a êsse exame não como médico,
mas
como professor, e procedi por fórma a dar-lhes
uma norma de inspecção, segundo a qual todos,
no exercício das suas funções, em
qualquer
escola que seja, poderão proceder a ela,
e por meio dela classificar, segundo a visão e
a audição, os seus alunos em um dos
três
grupos:—
supra-normais,
normais,
infra-normais,
distribuindo-os nas salas das classes pela maneira
que mais convêm ao ensino: adiante os
que ouvem e vêem pouco, ao meio os que vêem
e ouvem regularmente e ao fundo os que ouvem
e vêem melhor. Tive sempre tambem o
cuidado de, quando verificava a existência de
[49]
anormalidade, ou melhor, quando encontrava
candidato que via ou ouvia a uma distância
notávelmente inferior àquela a que a maioria
costuma vêr e ouvir, tive sempre o cuidado,
dizia, de lhes aconselhar a que se dirigissem a
médico competente para que se julgasse da
causa da inferioridade e se corrigisse esta, se
porventura isso fôsse possível; enfim, para que
se tratassem. Quiz assim não só cuidar ou fazer
com que cuidassem da saúde de órgãos
importantíssimos para todos e principalmente
para quem aprende e para quem ensina, mas
tambêm quiz assim indirectamente aconselhar-lhes
ou apontar-lhes a maneira de proceder
que convêm que adoptem quando tiverem como
eu, na sua qualidade de professores, de examinar
e medir a agudeza visual e auditiva dos
seus alunos.
A instrução, como sabeis, faz-se nas nossas
escolas sobretudo à custa de
excitações visuais
e auditivas. O professor dirige-se principalmente
à vista e ao ouvido do aluno. Se vista
e ouvido não estiverem em condições de
aprender
nítidamente, de serem clara, forte, profunda
e agradávelmente impressionados, a
instrução
não se fará ou far-se há defeituosa e
deficiêntemente; a falta de aproveitamento com
facilidade se fará notar.
Aquele que nem vê nem ouve bem, acaba
por deixar de prestar atenção; não se
aplica,
não se instrui e não se educa tambêm,
como
deve ser, porque a experiência é pouca e
má,
porque não excita convenientemente os sentidos,
porque não enriquece convenientemente o
[50]
cérebro em imagens, precisas e nítidas.
Não
tem ou tem pouco sôbre que trabalhar; não
desenvolve a inteligência.
Pelos olhos tomamos nós habitualmente conhecimento
dum grande número de propriedades
e tal é o papel que as imagens visuais
representam na
cerebralidade, na
compreensão
das cousas, que
Gaston Gaillard,
num artigo
notável sôbre as
condições ópticas e
fórma
visual da inteligência, disse: «a
inteligência
parece ser uma espécie de faculdade
óptica.»
Fisiologistas e histologistas têm demonstrado
que a visão tem uma influência
importantíssima
no desenvolvimento dos centros cerebrais,
e vários médicos têm demonstrado
tambêm
que muitas vezes o atraso intelectual nas crianças,
que os franceses chamam
arriérés, nos
débeis mentais ou
atardados como se vai dizendo
em português, o atraso, a inferioridade
resulta muitas vezes dum defeito de visão.
Vários casos se apontam tambêm de perfeita
normalização de crianças
anormais-inferiores,
por simples tratamento ou correcção conveniente
do seu defeito visual. Êstes anormais
são verdadeiros
anormais de
ocasião ou anormais
por
deficit sensorial, como os chama
Ley. E já
que vos estou
falando das relações
da visão com o desenvolvimento intelectual,
com muito prazer e com muita utilidade para
vós vos chamarei a atenção, convidando
a lê-la,
para a conferência realizada em 20 de Maio
de 1914, na Sociedade Portuguesa de Estudos
Pedagógicos, pelo nosso distinto Inspector Geral
de Sanidade Escolar e meu muito presado
[51]
amigo Dr.
Costa Sacadura,
conferência intitulada:
Influência do estado da visão
sôbre o desenvolvimento
intelectual e físico das
crianças.
Cousa semelhante ao que acabo de vos dizer
a propósito da inferioridade da agudeza
visual, poderei dizer tambêm a propósito da
baixa ou redução da agudeza auditiva. A
criança que ouve mal, compreende mal, acaba
por desinteressar-se, distrai-se, deixando de
escutar e aprender, atrasando-se na instrução
por falta de noções que lhe ministram oralmente
e que ela não aprende, atrasando-se na
educação, por
deficit de
excitações sensoriais
auditivas. O professor
Bezold,
de
Munich, notou
que quanto maior fôr a dureza do ouvido,
tanto menor é o desenvolvimento intelectual.
E
Rouma no seu
importante livro:
La parole
et les troubles de la parole, conta que numa
classe de crianças semi-surdas, em Berlim,
classe composta por 12 alunos, entre os quais
havia 4 que tinham sido apontados como intelectualmente
inferiores, êstes se mostraram
como perfeitamente aptos para o trabalho
escolar e provaram ter uma inteligência perfeitamente
normal, logo que foram colocados
num meio em que se os educou tendo em vista
a sua inferioridade física.
A dureza do ouvido deforma as imagens
auditivas e a criança procurando reproduzir
os sons, as palavras que ouve emite sons, pronuncia
palavras deformadas, adulteradas, sofrendo
assim dum defeito de pronúncia por
simples defeito da audição.
A redução da agudeza visual e da auditiva
[52]
veem a ter tambêm uma influência importante
no feitio moral daqueles que delas sofrem. A
má compreensão dos factos que se passam em
redor e de que tomam conhecimento por intermédio
de órgãos insuficientes e a dificuldade
de comunicar com as outras pessoas, acarretam
muitas vezes conseqùências mais ou menos
emocionantes que podem perturbar o carácter.
Lembrem-se das diferenças psicológicas, de
ordem moral, que todos sabem que existem
entre o surdo e o que ouve, e entre o cego e o
que vê. E neste momento, ao tratar-se dêste
assunto, eu relembro a transformação que se
operou no meu espírito, e a alegria que experimentei,
quando pela primeira vez eu, que era um
míope inconsciente, olhei
para o que me cercava,
através de umas lunetas de vidros divergentes.
Corrigi a minha vista e então comecei
a aproveitar mais nas minhas aulas, onde muitas
vezes não seguia o que se expunha no
quadro preto, por supôr que isso era só para
os que junto dêle estavam, e comecei então
tambêm a usufruir uma maior soma de prazer,
o prazer de vêr e gosar o que se vê. A minha
concepção do mundo modificou-se, melhorou.
Passei a ser mais optimista; encontrei no mundo
e na vida um fim estético, harmonioso, espectacular,
se me permitem o termo.
E lembrar-me eu que entre vós, segundo
as minhas recentes observações, há, de
43%
de inferiores ou defeituosos da visão, apenas
uns 10% com a vista corrigida! Correi já, por
vosso interêsse, aos médicos oculistas; eis o
meu conselho.
[53]
Pelo que respeita ao ouvido, os 9% de
infra-normais que a observação me levou a
encontrar, na população desta Escola, que
não
se descuidem tambêm, porque é possível
que
nalguns se trate de defeito corrigível, talvez
apenas de uma obstrução ocasional, que simples
lavagens ou duches auriculares farão desaparecer.
Devo dizer-lhes que as percentagens
que acabo de apontar dizem apenas respeito a
alunos com inferioridade bilateral dos olhos
ou dos ouvidos, reconhecida pelos processos
simples, que todos viram praticar, e dos quais
lhes vou agora dar mais minuciosa conta.
Numa sala desta Escola que me pareceu
ser daquelas onde menos se ouve o barulho
da rua, que neste sítio infelizmente não
é pequeno,
coloquei em face de uma das janelas, a
seis metros aproximadamente dela, e a uma
altura que correspondesse aproximadamente à
dos olhos da maior parte dos alunos, coloquei,
dizia, um cartão em que colocara o
quadro
optométrico dos Drs.
Mario Moutinho e
Costa
Sacadura, quadro que suponho se encontra
espalhado por tôdas as escolas, mercê de uma
larga e útil distribuição.
Marquei a giz sôbre o chão um traço
indicando
a distância de 5 metros para àquem da
parede onde pendurava o quadro optométrico.
Numa outra parede, no tôpo da sala, tracei
a uma altura correspondente à dos ouvidos
na maioria dos alunos, um traço horizontal, a
giz, sôbre o qual a partir aproximadamente de
1 metro de uma das extremidades marquei um
zero e, a partir dêste, pequenos traços verticais
[54]
indicando os decímetros e os metros (4 metros
aproximadamente).
Quando ia proceder aos meus exames, procurava
obter o maior silêncio possível, na proximidade
da sala, e fazia entrar os alunos um
a um ou dois a dois, e de maneira a evitar
que se distraíssem. Uma empregada tomava-lhes
à entrada o nome e eu logo começava o
meu exame, em que fui várias vezes auxiliado
pelo meu venerando colega Sr. prof.
Pedro
Ferreira. Para a medida da agudeza visual,
mandava colocar o aluno em frente do quadro
optométrico a uma distância aproximadamente
de 6 metros. As letras do quadro estão dispostas
em 3 linhas paralelas e tais que para
uma visão normal devem respectivamente ser
lidas a 20, 10 e 5 metros de distância. Mandava
procurar ler a 6 metros as letras da
linha inferior, aquelas que se devem lêr, quando
a visão seja mediana, à distância de 5
metros.
Se o aluno as lia tôdas ou dois terços delas
à
distância de 6 metros, colocava-o no grupo dos
supra-normais da visão,
se não, mandava-o
tentar ler as letras da mesma linha à distância
de 5 metros. Se as lia, colocava-o no grupo
dos
normais: finalmente se o aluno
nem à
distância de 5 metros lia sequer dois terços
das letras que a essa distância devia ler se a
visão fôsse normal, colocava-o no grupo dos
infra-normais, e procurava
então vêr quais as
letras que conseguia ler a essa distância de 5
metros. Se lia as da linha média, que um normal
devia ler a 10 metros, dizia que tinha uma
agudeza visual igual a
1⁄2
do normal, se lia a
[55]
5 metros só aquelas que um normal lê à
distância
de 20 metros, dizia que tinha uma agudeza
visual igual a
1⁄4
do normal. Se nem
estas lia, dizia que tinha uma agudeza visual
inferior a
1⁄4
do normal.
O exame era feito em separado, para cada
um dos olhos, tendo o cuidado de evitar que
com a mão carregassem sôbre aquele cuja agudeza
visual se não estava medindo. Em regra,
e esta parece ser a melhor fórma, mandava
colocar um cartão de visita diante do ôlho a
encobrir, mas um pouco afastado dele.
Esta técnica, que é uma técnica de
confiança
para determinar com precisão a agudeza
visual, pode ser empregada por qualquer professor,
e praticada em todos os escolares,
mesmo naqueles que não sabem ler, visto que
junto às letras e com dimensões respectivamente
iguais às delas se encontram no quadro
optométrico linhas com sinais
(
optotipos
se chamam) que um analfabeto pode perfeitamente
apontar (zonas circulares incompletas,
com abertura voltada segundo quatro
direcções).
Para o exame do ouvido, mandava colocar
o aluno em frente da linha que traçara na
parede, voltado para ela, junto dela e com o
ouvido direito à altura do zero. O aluno, com
um dedo, sem carregar, tapava o ouvido esquerdo
e olhando em frente, prestava atenção
a vêr se ouvia o
tic-tac
de um relógio de algibeira,
que eu lhe aproximava do ouvido. Logo
que o aluno dava sinais de o ouvir, começava
eu a afastar o relógio, fazendo deslocar êste
[56]
sôbre uma linha, não perpendicular à
face,
mas sim dirigida para diante, perpendicularmente
ao pavilhão da orelha. E deslocando o
relógio procurava determinar a maior distância
a que o aluno conseguia ouvir o bater
dêsse relógio.
Fiz uma série de observações e
verifiquei
que
com o meu relógio a
maioria ouvia o
tic-tac a uma distância de
2 a 3 metros. Em
vista disto considerei como
infra-normais, na
audição, francamente infra-normais, os que ouviam
o máximo a 1 metro e
supra-normais,
na audição, francamente
supra-normais,
os que
ouviam a 3 metros e mais.
Para o exame do ouvido esquerdo, mandava
voltar o aluno, colocava-o com o ouvido esquerdo
à altura do zero, pedia-lhe para tapar
o ouvido direito e olhar bem em frente, ou
fechar os olhos, e procedia depois por uma
fórma semelhante à que adoptei para o exame
da agudeza auditiva do ouvido direito.
Quando a redução da agudeza auditiva era
notável (menos de 1 metro), mandava sentar
o aluno no fundo da sala, voltado para a parede,
e colocando-me atrás dele, no lado oposto,
falava-lhe em tom ordinário por fórma a
ver se me ouvia e para isso o mandava repetir
a frase que eu pronunciava ou executar
movimentos que lhe ordenava.
Êste processo, da medida da agudeza auditiva,
ao contrário do que adoptara para medida
de agudeza visual, não é exacto, não
é
preciso, não é seguro, mas serve, e isso basta,
para comparar os alunos debaixo do ponto de
[57]
vista da agudeza auditiva e distribuí-los nas
aulas, de acôrdo com ela.
Nas crianças é necessário talvez tomar
mais
precauções do que aquelas que com os senhores
tomei é conveniente sentá-las, vendar-lhes:
os olhos e de vez em quando
fingir
que se
aproxima ou afasta o relógio, para assim julgar
do valor das suas respostas.
Devo dizer-lhes, o que tambêm importa, que
levava, em regra, dois a três minutos com o
exame da agudeza visual e da auditiva.
Na Casa Pia, onde eu e o Dr.
Jorge
Cid
temos feito várias observações, usando
de processos
semelhantes àqueles de que vos falei, verifiquei
há dias a existência de alguns factos
curiosos para que não quero deixar de chamar-vos
a atenção. Considerando apenas os
alunos que neste momento freqùentam a 4.ª classe de
instrução primária, e com
êles os que
em Julho a freqùentaram e distribuindo-os por
ordem crescente das idades verifica-se: que à
medida que se avança na escala das idades, e
aumenta o número de anos de internato, diminui
a percentagem de alunos que fizeram
exame do 2.º grau, e
diminui a percentagem
dos que têm audição
normal. Quere isto dizer
que é provável que o atraso de alguns
alunos provenha de inferioridade auditiva. Por
outro lado encontram-se dois máximos de
freqùência
da visão inferior à normal um (30%)
coincidindo com o máximo de freqùência
de
exames do 2.º grau (61%) e outro (40%)
coincidindo com o máximo da idade (16 anos
e mais) e o mínimo da freqùência de
exames
[58]
(40%), factos estes que interpreto por esta
fórma: a anormalidade visual nos rapazes de
16 anos e mais (máximo de idade), que ainda
não fizeram exame do 2.º grau, coincide e
deve estar relacionada com inferioridade mental
e a grande freqùência da visão inferior
à
normal nos rapazes de 14 a 15 anos, grupo a
que na sua maior parte pertencem os que fizeram
exame do 2.º grau, é naturalmente devida
à
miopía que o
trabalho das aulas agrava,
quando não determina. Quando um dia me
ocupar particularmente dêste importante defeito
da visão, a miopía, procurarei obter alguns
dados especiais recorrendo, provávelmente, para
isso, ao registo das observações
oftalmológicas
e às estatísticas do distinto
médico-oftalmologista
da Casa Pia Dr.
Xavier da Costa.
A miopía é uma verdadeira doença
profissional
da escola; é em grande parte um produto
do trabalho escolar. A sua freqùência
aumenta à medida que se avança no grau do
ensino. E já que levantei êste incidente,
não
deixarei de vos recomendar a leitura de uma
interessante e utilíssima conferência feita na
Imprensa Nacional, em 19 de Abril de 1914,
pelo Dr.
Sebastião da
Costa
Santos, tambêm
distinto médico-oftalmologista, e em que por
fórma muito clara e completa se trata da miopía
e doutros assuntos de oculística que se
prendem com a higiene escolar.
O exame da agudeza visual e da auditiva
presta-se tambêm a permitir julgar até certo
ponto de certas qualidades de ordem psíquica
que ao educador muito interessa conhecer. A
[59]
maneira por que o aluno se apresenta, a rapidez
ou a lentidão dos seus movimentos, a rapidez
ou a lentidão na leitura do quadro optométrico,
a maneira agitada ou, pelo contrário,
lenta e dócil por que se comporta, a precisão
ou a indecisão na compreensão e
execução das
nossas ordens, tudo permite, com grande probabilidade
de acêrto, formar um juízo útil e
necessário para o educador, sôbre o grau de
emotividade, ou sôbre a
potencialidade
nervosa
de cada aluno, destrinçando particularmente
os dois tipos extremos, o do
hipersténico,
agitado, e o do
hiposténico, tardo nas
suas
reacções. O educador encontrará nesse
exame
elementos importantes para calcular possibilidades
na educação, e tirar
indicações muito
úteis para a escolha dos meios educativos a
empregar.
O exame da agudeza visual e da auditiva
feito à luz dos conhecimentos que vos procurei
transmitir permitir-vos há convencer-vos,
desta verdade fundamental:
de que os escolares
são diferentes uns dos outros. E
convencidos
disso, o vosso espírito estará preparado
para a adquisição desta outra verdade:
de
que o ensino se deve individualizar o mais
possível.
A pedologia, estudo da criança, vos ensinará
a conhecer os vossos alunos, e a encontrar o
caminho educativo que mais convêm seguir.
Pudesse eu deixar-vos convencidos disso, e
conseguisse que em tôdas as escolas o professor
determinasse a agudeza visual e a auditiva e
eu, e todos os que tivessem contribuído para
[60]
isso, teríamos alcançado a não pequena
glória
de ter promovido na escola o que o grande
professor
Biervliet,
a
propósito do mesmo
assunto, não duvidou chamar um
progresso
imenso.
Disse.
A VISÃO DAS CORES[9]
Minhas Senhoras e meus
Senhores:
Foi objecto da minha lição de abertura, no
ano findo:
A agudeza visual e a auditiva,
debaixo do ponto de vista pedagógico,
tendo-me
servido de pretexto para a lição o exame
da agudeza visual e da auditiva por mim praticado,
nos alunos desta Escola, com o fim de
se regular a sua distribuìção nas
aulas. Será
êste ano objecto da minha primeira
lição um
assunto que se prende tambêm com a fisiologia
dos sentidos, servindo-me de pretexto para
ela o exame que êste ano tambêm fiz a alunos
desta Escola, mas não só com o fim de
julgar da sua agudeza visual e da sua agudeza
auditiva, mas tambêm para julgar até
[62]
certo ponto do seu sentido cromático, do grau
da sua visão, na visão das côres.
Deu origem a esta ampliação do exame
fisio-pedagógico que se começou a praticar o
ano passado por iniciativa do Sr. Secretário
desta Escola, e seu distinto professor sr.
Tiago
da Fonseca, deu origem a essa
ampliação, um
simples acaso. Um dos jornais da cidade, ao
noticiar que eu ia proceder ao exame dos alunos,
falou em
daltonismo, e isso
fazendo-me
suspeitar uma confusão entre o exame da agudeza
visual e o do sentido cromático e recordando-me
da importância que êste pode ter na
escolha dos candidatos a professores, resolveu-me
a fazer a minha primeira lição dêste
ano sôbre o
sentido cromático e
os seus defeitos,
e proceder, como procedi, a um
exame
elementar dêsse sentido.
M.
elle Yoteyko,
a
ilustre
professora belga,
considera como indispensável na escola normal
a prática de um exame do sentido cromático,
por causa da importância que a
diferenciação
das côres tem no ensino. É sua opinião
tambêm que a êsse exame devem ser
obrigatóriamente
sujeitas tôdas as professoras dos
jardins de infância e, mais ainda, atribúi-lhe,
e com razão, grande valor no exame pedagógico
dos alunos da escola primária.
E isto lembra-me as palavras do professor
americano
Rowe,
quando num dos
seus livros,
diz: «na cegueira das côres está muitas
vezes
a explicação da aparente estupidez que revelam
certas crianças das nossas escolas, diante
dos mapas».
[63]
O exame fisio-pedagógico que o ano passado
se começou a praticar nesta Escola, deve
ser ainda mais ampliado do que foi êste ano,
e quando êste assunto, a
visão
das côres, não
fôsse julgado como de maior importância, para
servir de mais a mais de tema a uma lição
de abertura de curso, bastaria para justificar-me
e dar-lhe o valor que lhe contestassem, o
tomá-lo como pretexto para chamar a
atenção
para êste capítulo importante e quási
virgem
entre nós, do exame das aptidões.
Hoje, minhas senhoras e meus senhores, a
fisiologia e a psicologia, não são apenas
sciências
de gabinete, simples curiosidades, domínios
de investigação scientífica
desinteressada,
ramos de conhecimentos sem maior aplicação
e utilidade. Não. O fisiologista e o psicólogo
têm hoje o seu lugar até na oficina,
até na
fábrica. A êles se recorre não
só para julgar
das aptidões do operário, mas até para
regular
a própria técnica. Opera-se neste momento
uma profunda reforma nas indústrias, visando
a levar ao máximo o rendimento de cada operário,
recorrendo-se para isso à fisiologia e à
psicologia. É o
tailorismo que avança,
é a
organisação scientífica do trabalho.
A fisiologia e a psicologia são tam úteis,
mesmo fora dos domínios da Medicina, que
neste momento, até em plena guerra elas figuram,
sendo os seus processos de análise regular
e obrigatóriamente praticados no exame
dos candidatos a aviadores, êsses heróicos
soldados,
que nesta guerra, formidável pela sciência
e pela barbaría, tanto influem na estratégia.
[64]
Na nossa legislação militar, a
propósito
da inspecção médica dos candidatos a
aviadores,
já se fala do exame das reacções
psico-motrizes.
Mas mais ainda. A
psico-fisiologia,
de que em suas proveitosas lições muitas vezes
vos fala o Sr. professor Dr.
Alberto
Pimentel,
logrou até encontrar aplicação em
pleno
campo da refrega, onde por exemplo, M.
Lahy, chefe dos
trabalhos
práticos de psicologia
experimental na Escola de Altos Estudos
de Paris, e actualmente mobilizado como oficial,
teve ocasião de com notável utilidade
aplicar os seus métodos de estudo a gloriosos
soldados da Argonne, durante a tremenda
campanha de Verdun.
E, minhas senhoras e meus senhores, se a
psico-fisiologia presta já tantos serviços na
escolha dos candidatos a operários e em soldados,
porque não há-de ela ter tambêm o seu
lugar no exame dos candidatos à profissão de
professor?! Pensai nisto, que é nesta arte que
andais a aprender: a arte de educar, que é
mais necessário rigorosamente escolher os mesteirais,
porque são êles que lidam com a mais
preciosa e delicada das nossas matérias primas:
a criança, e se ocupam da mais importante
de tôdas as indústrias: a indústria da
formação de cidadãos úteis,
prestimosos na
sua profissão, excelentes nas suas virtudes
físicas e morais, e no seu amor à
Pátria!
[65]
Meus Alunos:
A visão das côres e a aptidão a
discriminá-las
não se revela logo após a nascença,
nos
primeiros dias. Factos que a sciência regista
levam a supor que essa faculdade visual se
manifesta
claramente e
indiscutívelmente
só
ao fim de alguns meses. Ao poder de discriminação
das côres, segue-se o de nomeá-las.
É interessante fazer notar o facto de que a
criança aprende mais fácilmente os nomes das
cousas do que os das côres. Citam-se casos
em que crianças de dois anos e mais, conhecendo
perfeitamente os nomes de certos frutos
bem característicos, pela sua fórma e pela sua
côr, uvas, morangos e laranjas, não sabem no
entanto apropriadamente aplicar-lhes os nomes
das côres que ostentam.
Trace, professor da
Universidade
de Toronto,
que examinou vários vocabulários infantis,
da língua inglesa, chama a atenção
para o
facto de ter encontrado apenas perto de trinta
nomes de côres num vocabulário de mil e cem
palavras. E várias vezes, diz êle, não
encontrou,
em vocabulários de crianças de dois anos,
um só nome de côr, não obstante essas
crianças
possuirem já de trezentos a quinhentos
vocábulos.
Um outro facto a pôr em destaque é o de
que a criança pode discriminar as côres, possuir
vocábulos para as nomear, mas não associar
correctamente a côr ao seu nome. Parece
[66]
que é esta a principal dificuldade que a criança
tem no reconhecimento das côres.
Creio que foi o professor
Monroe,
professor
de Psicologia em Westfield, quem realizou
o maior número de experiências sôbre o
sentido
cromático de crianças, de três a sete
anos
de idade. São curiosas as conclusões a que
chegou. As meninas distinguem, em geral, mais
fácilmente, as côres, e reteem mais
fácilmente
tambêm os nomes destas. Esta superioridade
no sentido cromático é mais acentuada dos
cinco aos sete anos do que antes, e está de
acôrdo com a superioridade do sentido cromático
que as estatísticas dos defeitos de visão
das côres levam a atribuir à mulher, onde
êles são menos freqùentes. E como essa
superioridade
se revela mesmo nas idades em que
as crianças dos diversos sexos têm as mesmas
ocupações, pode-se atribui-la a uma
diferença
sexual inata, em que talvez se possa tambêm,
como alguns fazem, encontrar a causa do coquetismo,
da garridice das côres dos trajos da
mulher.
As experiências sôbre a visão das cores
nas crianças, são muito delicadas, por serem
difíceis e muito sujeitas a erros. Para se fazerem,
ou se lhes mostram côres e se lhes perguntam
os nomes, determinando a percentagem
dos erros cometidos, ou se nomeiam côres
e se pede à criança que as vá
indicando ou
escolhendo numa colecção de objectos, iguais
ou diferentes, diversamente coloridos, ou se
lhes mostra uma côr e se pede para dentre
muitas diferentes escolher uma igual, ou, e
[67]
êste é o processo de escolha na criancinha de
tenra idade, se observa a sua expressão
fisionómica
e a sua mímica, vendo se ella sorri ou
chora, ou se assusta, ou se aproxima, ou se
afasta ou, mais precisamente, medindo, contando
como faz
Baldwin,
que considera
como a
melhor maneira de julgar do valor dos estímulos
sensoriais na criança, o estudo das
reacções
motrizes que êles provocam, e principalmente
os movimentos da mão, contando, como
eu dizia, o número de movimentos de
aproximação
ou atracção, e o dos de recúo ou
repulsa,
que as diferentes côres provocam, quando
mostradas a distâncias diferentes.
Para terminar esta parte da minha lição,
dar-lhes hei conta ainda de dois factos mais,
que interessam muito ao estudo da visão das
côres na criança.
Lehman notou que as
côres que a criança
reconhece mais fácilmente são aquelas cujos
nomes melhor sabe, e notou mais ainda que
os tons que não têm nomes especiais não
são
por elas reconhecidos.
Outro facto tambêm de que vale a pena
tomar conhecimento e fixar é de que experiências
de diversos levam a considerar como
côres de maior predilecção na
criança, o vermelho
e o azul.
Assim como há diferenças individuais na
sensibilidade à luz, que permitem discriminar
diferentes graus de intensidade luminosa, assim
como há diferenças individuais na sensibilidade
visual que permitem discriminar, pela
fórma, os objectos a distância, assim
há diferenças
[68]
individuais na sensibilidade visual que
permitem discriminar as côres e perceber as
variações de tonalidade de cada uma delas. E do
mesmo modo que há cégos que sentem a luz
mas não vêem os objectos, há
cégos que vêem
os objectos mas não lhes vêem as côres.
Há de
facto indivíduos, raros é verdade, que
vêem
os quadros mesmo os mais ricos em colorido,
os mais variegados, como se fôssem pintados
em cinzento, de vários tons.
Há tambêm indivíduos, e estes na
percentagem
aproximada de 3 a 4% no homem e 1
a 2% na mulher, que discriminando algumas
côres como o azul e o amarelo, não distinguem
o verde do vermelho e vice-versa.
Para alguns dêstes indivíduos, como dizia
Arago, as cerejas
nunca
estão maduras. E
neles compreende-se que possa suceder, como
diz M.
elle Yoteyko,
que
não vejam os morangos,
num morangueiro carregado dêles, ou não
descubram um lápis de lacre, em cima de um
relvado. É a êste grupo de cegos
cromáticos
ou indivíduos daltónicos, que pertencia aquele
de que
Fuchs por
exemplo fala no
seu
Manual
de Oftalmologia, que queria remendar um
fato preto com um pedaço de pano encarnado,
julgando que êste era preto!
A cegueira total para as côres ou
acromatopsia
total, a cegueira parcial para as côres
ou
acromatopsia parcial, a cegueira
especial
para o vermelho, ou
aneritropsia, e
outros
defeitos cromáticos de menor vulto ou
discromatopsias,
denominam-se muitas vezes, em
globo,
daltonismo, termo que mais
própriamente
[69]
se deve empregar nos casos de
aneritropsia,
ou cegueira para o vermelho.
A palavra
daltonismo deriva de
Dalton,
nome do célebre físico inglês, que
vendo que
confundia as côres das flôres, examinou o espectro
solar e constatou que a parte do espectro
que se chama vermelha, lhe parecia apenas
quási uma sombra, quási um feixe sem
luz (vid. sôbre êste assunto da visão
das côres
um livrinho excelente que muito vos recomendo:
o livrinho de M.
elle Dr.
a
Yoteyko,
Aide-mémoire
de psychologie expérimentale et de
pédologie, vol. 1,
Les
sensations, pág. 309).
Há indivíduos que confundem os nomes
das côres e que no entanto não sofrem de
discromatopsia, pois discriminam bem as côres
e os seus tons; são apenas ignorantes. Assim,
por exemplo, sucedia a um doente do Hospital
de S. José, examinado pelo meu prezado
amigo e distinto oftalmologista Dr.
Costa
Santos,
hoje director daquele Hospital, que lhe
falava de um «azulinho côr de alface»,
não
obstante distinguir bem os tons azuis e verdes.
Em contraposição há
daltónicos que com
tôda a propriedade chamam vermelhas as cerejas
e verdes as fôlhas, mas que não distinguem
o vermelho do verde; empregam os
qualificativos verde e vermelho, por os ouvirem
empregar aos outros. Há mesmo mais:
há
daltónicos,
que distinguem um objecto
verde de outro igual, mas em vermelho, não
própriamente porque a
qualidade da côr os
impressione, mas sim pela
quantidade
da côr,
[70]
pelo seu pêso, pela quantidade de pigmento
que contêem. Se êsses objectos fôssem um
vermelho e outro verde, mas de tons da mesma
quantidade, igualmente leves ou igualmente
carregados, então não os distinguiriam,
confundi-los-iam,
achá-los-iam perfeitamente iguais.
Está-me lembrando neste momento um dos
nossos mais notáveis oftalmologistas e até por
sinal grande apreciador de quadros, que me
confessou e por fórma bem sincera e brilhante,
que sentia mais ou menos o vermelho, mas
quási não via o verde; para êle o verde
e o
vermelho são tão distintos como o azul e o
amarelo. E na mesma ocasião em que isto
ouvia, um colega que assistia à conversa, informou-me
de que um dos nossos melhores
paisagistas não distingue fácilmente os tons
de certos objectos que vê e está pintando.
Sofre da dúvida das côres.
As discromatopsias ou defeitos da visão
cromática, passam por vezes desapercebidas
aos indivíduos que deles sofrem. Assim como
há
míopes
inconscientes, de que o ano passado
por exemplo falei na minha lição de abertura
sôbre a
agudeza visual e auditiva, sob o
ponto de vista pedagógico, há
daltónicos inconscientes.
E um dos mais notáveis exemplos
que dêles se pode apresentar é o que
Fuchs
menciona no seu
Manual: um
médico de uma
companhia de caminhos de ferro, médico encarregado
de examinar o sentido cromático
dos candidatos a empregados da companhia,
que o procurou para lhe pedir algumas instruções
sôbre os métodos dêsse exame, e que
[71]
Fuchs no decurso da
conversa e em
vista dos
erros que notou que êle cometia no exame
das provas, verificou ser um daltónico, e nem
mais nem menos do que cego para o vermelho!
A cegueira ou a simples diminuìção da
agudeza cromática pode ser congénita ou
adquirida.
Há lesões oculares que a determinam
e discromatopsias há que são
atribuíveis a
intoxicações, pelo álcool ou pelo
tabaco.
Van Biervliet atribui
certas
discromatopsias
congénitas a uma acção resultante de
hereditariedade
por falta de treino do sentido cromático
nos ascendentes.
Interpretando, como em regra se interpreta,
a diferença séxual notável que existe
entre
a percentagem das discromatopsias no homem
e na mulher, com vantagem para esta, ao
maior uso que esta faz do seu sentido cromático,
notávelmente aplicado em certos trabalhos
como os trabalhos de bordadora e de
modista, profissões muito espalhadas entre os
indivíduos do sexo feminino, generaliza e diz
que os visuais, cujos pais eram pintores, iluminadores,
mosaístas, etc., nascem, graças ao
treino realizado pelos seus ascendentes, com
uma retina e centros visuais mais sensíveis às
côres. É uma opinião, de resto
discutível.
Tendo examinado todos os candidatos à
matrícula no 1.º ano desta Escola Normal,
pela fórma que adiante descreverei, àparte
uma ou outra hesitação, discromatopsias
própriamente
ditas só em dois candidatos, senhoras,
encontrei, verificando uma confusão notável
[72]
de tons do amarelo, com que experimentámos,
amarelo canário claro, e amarelo gema
de ôvo.
A visão das côres tem sido particularmente
estudada nos escolares anormais.
Zihen cita
casos de atardados de doze a quinze anos,
com suficientes conhecimentos escolares, podendo
sustentar uma conversa sôbre assunto
simples, mas incapazes de reconhecer as côres.
Ley, cujo trabalho
sôbre
o
atraso mental, em
escolares é o mais bem documentado que conheço,
e que observou 110 crianças da escola
especial para atardados, de Antuérpia, que
tive o prazer de com o maior proveito e na
companhia do seu director o Sr. professor
Yack, tive o prazer,
dizia, de
visitar, por sinal
um mês antes de rebentar a guerra,
Ley encontrou
23 crianças com graves defeitos da
visão das côres, e 45 reagindo normalmente,
correctamente, seriando de cinco a seis tons
de oito côres diferentes. Pode haver, portanto,
em face de tudo o que dissemos, crianças inteligentes
com fraca visão das côres ou mesmo
cegueira, e inferiores mentais com boa visão
cromática.
Vale a pena citar tambêm, nesta altura, o
facto mencionado por vários e verificado por
M.
lle Descoeudres,
de Genebra,
de que as côres
mais vulgarmente confundidas pelos anormais
são o azul e o violeta. M.
lle
Descoeudres
cita tambêm no seu
Manual
para a educação
de anormais, como notável, o caso de um rapaz
epiléptico, que desde os oito aos treze
anos, apesar de tempos a tempos se lhe mostrar
[73]
uma série de fichas ou tentos, de côr azul
ferrete com uma ficha de côr violeta, de permeio,
pedindo-se-lhe que indicasse aquela ficha
que não era como as outras, êle não a
encontrava,
não obstante compreender bem a pergunta.
Êste rapaz confundia tambêm o verde-malva
com o azul claro.
Há na visão das côres um elemento que
importa muito considerar: é a atenção.
A falta
de atenção explica muitas vezes erros da
visão
das côres, que à primeira vista se poderiam
ter como sinais de daltonismo. Ao lado do
daltonismo verdadeiro, há um falso daltonismo,
uma cegueira de distracção, que não
própriamente
cegueira ou incapacidade de visão
das côres.
Numa série de rapazes da Casa Pia, principalmente
entre aqueles atardados, que com
onze, doze e treze anos de idade, ainda freqùentam
a primeira classe de instrução
primária,
tendo dois a três anos de casa, observei
eu que alguns, quási todos, cometiam erros
graves na visão das côres, mas erros que variavam
com a natureza do
test e com a hora
do exame. O aluno 4.337 que de manhã, antes
de começar as aulas, apenas confundia o verde
claro com o azul claro, e alguns tons de verde,
entre si, à tarde, logo em seguida à quarta
hora da aula, confundia alguns
tons verdes
com tons vermelhos, como se se tivesse tornado
daltónico de manhã para a tarde. Era a
fadiga que lhe diminuia a atenção, e o levava
a cometer erros dêstes. O aluno 305, êsse ainda
mais claramente mostrava que os erros que
[74]
cometia na visão das côres resultavam de falta
de atenção, pois que quási
não cometendo
erros no exame discriminativo de vários tons
do vermelho, verde, azul e amarelo, na mesma
sessão cometeu erros tais que confundia roxo
com vermelho, alaranjado com amarelo claro
e azul com verde, simplesmente porque tinha
de atender de cada vez a duas côres, que se
mostravam ao mesmo tempo. Olhava só para
uma, a que cobria uma maior extensão, e que
êle distinguia perfeitamente, não se importando
no entanto com a outra, para que aliás se lhe
chamava tambêm a atenção. Bem diz
M.
lle
Descoeudres a
propósito
da visão das côres
nos anormais: «é preciso sempre entrar em
linha de conta com o factor atenção, por causa
da qual se torna difícil o pronunciarmo-nos
sôbre as noções de côr nos
anormais.»
Não basta para explicar as anomalias da
visão das côres invocar por exemplo uma das
duas teorias clássicas da visão
cromática: a
de
Yung-helmholtz ou
a de
Hering.
Não
basta explicar, como se faz na primeira destas
teorias, explicar, por exemplo, a cegueira para
o vermelho, pela ausência, na estrutura da
retina, de uns elementos que são mais particularmente
sensíveis ao vermelho e nos dão
esta sensação, e dizer que, faltando
êles, a luz
vermelha impressiona os elementos principalmente
sensíveis à luz verde, e que nos dão a
sensação do verde, fazendo assim com que o
vermelho nos impressione como se fôsse apenas
um tom daquela côr. Não basta explicar,
como se faz na teoria de
Hering,
a
cegueira
[75]
para o vermelho e para o verde, pela falta
de uma substância foto-química,
alterável pela
acção da luz vermelha e da luz verde, e que
conforme o sentido da alteração origina a
sensação
do verde ou do vermelho. Não. É
necessário
lembrarmo-nos que a atenção é elemento
muito importante, a considerar tambêm
na visão das côres, podendo só por si
dar
origem à confusão delas, sem que haja
própriamente
incapacidade orgânica para a
visão.
Há uma concepção filosófica
da visão, devida
a
Tscherning (vid.
Année psichologique,
1914, pág. 43), que permite compreender bem
a influência que a atenção pode ter na
visão.
Tscherning
compára a
sensibilidade visual à
sensibilidade táctil e diz que se pode considerar
os raios luminosos, que dimanam do exterior
para a retina, como uma espécie de antenas
invisíveis, presas ao fundo dos olhos e
que com êles se movem, antenas com que nós
examinamos os objectos. São o que êle chama
os
fotóforos. Se
tivessemos um só fotóforo
estariamos nas condições de um cego, que se
guia com a ponteira da bengala; como, porêm,
temos vários fotóforos, quando olhamos para
os objectos, como que passeamos sôbre êles
esta espécie de retina aparente, como que os
apalpamos, examinando-os atentamente, tal
como sucede quando julgamos do paladar de
uma substância, saboreando-a com
atenção. É
uma concepção interessante, que me parece
permitir muito bem fazer uma idea da influência
que a atenção pode e deve ter na
[76]
apreciação das qualidades dos corpos pela
vista, e entre elas a côr.
O exame da visão das côres na escola pode
permitir explicar insucessos que se dão no
ensino por meio dos mapas e das estampas
nas lições de cousas, e nos lavores, mas,
àparte
êste préstimo, tem tambêm o de por vezes
servir para orientar o aluno na escolha da
profissão. O professor deve sempre preocupar-se
com o futuro do aluno. Ao daltónico são
vedadas certas profissões, principalmente nas
carreiras marítima e militar e na de maquinista,
onde se é obrigado a guiar-se, como
sucede nos caminhos de ferro e nas embarcações,
interpretando sinais de côres diferentes.
Esta questão tem tanta importância que num
excelente manual inglês de higiene escolar se
consagram, no capítulo que trata dos olhos e
da vista, bastantes linhas à questão do exame
da visão das côres nos que deixam a escola,
por terem terminado o seu ensino (
the
leavers).
São muitos os processos adoptados no exame
da visão das côres, e pode-se dizer que
não são de mais, visto que muitas vezes
é
necessário sujeitar o indivíduo a
vários exames,
para descobrir-lhes os defeitos ou melhor
para verificar o defeito. Aquele que pretende
ingressar em carreira em que se liga grande
importância à visão das
côres, serve-se de vários
meios ardilosos, tendentes a vencer a barreira
que se lhe põe do exame rigoroso a que
são sujeitos; chegam a estudar os
tests, a
habilitarem-se para o exame médico. Aprendem
[77]
a ser observados, e a enganar. E compreende-se
que possam chegar a fazê-lo, visto
que, como já tive ocasião de dizer nesta
lição,
o daltónico pode distinguir as côres, sem as
vêr, atendendo únicamente à quantidade
e não
à qualidade da côr, e pode apropriadamente
aplicar-lhes os nomes. Na criança é preciso
contar sobretudo com os erros que comete
por ignorância e falta de atenção. Uns
e
outros podem levar a considerar como daltónico,
quem o não seja. Não é bom o processo
de perguntar os nomes das côres à
criança,
para julgar da sua visão. O melhor é mostrar,
sem nomear, um tom de uma certa côr e mandar
escolher entre muitas uma côr e tom
igual.
Os processos mais comummente empregados
são os das lãs de
Holmgren, os dos
quadros
pseudo-isocromáticos, como os de
Stilling,
e os das luzes de lanterna, como o de
Edridge Green, por
exemplo.
Com as lãs, escolhe-se no meio de muitas
meadas, de várias côres e tons, uma de certa
côr e tom, e manda-se procurar uma meada
que lhe seja perfeitamente igual. Pode-se tambêm
escolher, por exemplo, meadas de três
côres diferentes, mostrá-las,
misturá-las depois
com as outras, e mandá-las procurar, ou ainda
mandar separar as meadas por côres, e seriá-las
para cada côr, segundo os tons. Nos quadros
pseudo-isocromáticos há letras ou outros
sinais de côres diferentes sôbre fundos coloridos
por tal fórma que um daltónico não os
possa distinguir.
[78]
Com a lanterna mostra-se, a distâncias diferentes,
luzes cuja côr e tom se faz variar
por meio de vidros apropriados. Etc.
A agudeza da sensibilidade cromática mede-se
por fórma semelhante àquela por que se
mede a agudeza visual própriamente dita. Empregam-se,
para isso, quadros especiais, com
sinais de diferentes côres, e de determinado
tamanho, e escolhidos por maneira a que se
saiba de antemão as distâncias a que
são ordináriamente
vistos por normais. No exame
da agudeza cromática vê-se a que
distância
são vistos pelo examinando e compára-se esta
com aquela a que normalmente elas se vêem.
No exame dos escolares da classe especial
de Antuérpia, a que no decurso desta
lição já
tive ocasião de me referir,
Ley empregou uma
colecção de meadas de lã, de oito
côres diferentes
e cinco a seis tons por cada côr. Examinou
isoladamente cada um dos escolares
(e
esta precaução é importante porque
evita os
erros por imitação), e para
examiná-los apresentava-lhes
uma meada de lã verde-pálido, e
sem lhes nomear a côr,
mandava-lhes escolher,
entre as meadas, todas as que fossem da
mesma côr, tanto as de tom mais leve, como
as de tom mais carregado. Esta prova era
seguida de uma outra semelhante em que em
vez de uma meada verde-pálido, se lhe dava
uma côr de rosa, muito clara.
No exame sumário que pratiquei em alunos
desta Escola, empreguei, em vez de meadas,
carrinhos de retrós, de quatro côres: vermelho,
verde, azul e amarelo, e para cada uma destas
[79]
côres escolhi dois tons, um muito carregado e
outro muito leve. De cada tom havia dois carrinhos,
e os tons das diferentes côres foram
escolhidos por fórma que a quantidade da côr
fôsse a mesma para os tons correspondentes,
carregados ou leves, de cada uma delas.
O
test consistia em agrupar dois a
dois os
carrinhos do mesmo tom e côr. Não foi
só a
falta de material, mas tambêm o desejo de
lhes indicar um processo muito simples e económico,
que me levou a improvisar êste processo,
em que as côres se sujam menos e se
pode fácilmente renovar. Fora de uso, é preciso
conservar as côres ao abrigo da luz.
Nas experiências que fiz na Casa Pia utilizei
um dos
jogos educativos do Dr.
Decroly
e de M.
lle Mochamp.
Êste jôgo é formado por
quatro cartões, como os cartões do
lôto, cada
um dêles tendo pintado sôbre papel, que lhe
está colado, uma série de figuras todas do
mesmo tamanho, representando bandeiras de
côres e tons diferentes, cada uma delas de seu
tom e côr. As bandeiras são quatro por
cartão,
tôdas da mesma côr, no mesmo cartão, e
em cada um dêstes dispostas pela ordem de
quantidade de côr, sendo a primeira a mais
carregada e a última a mais leve. Num dos
cartões as bandeiras são de côr azul,
noutro
de côr verde, noutro de côr vermelha e noutro
de côr amarela. Alêm dêstes
cartões há uma
série de cartões pequenos, cada um com sua
bandeira, de sua côr e tom, a que corresponde
uma igual nos cartões grandes. Utilizei êste
jôgo, dando a cada aluno, e de cada vez, um
[80]
cartão grande, sôbre o qual deviam colocar os
cartões pequenos correspondentes. Após o exame
de cada cartão grande, misturavam-se os
cartões pequenos, os cartões já
aplicados e os
que restava aplicar. É um verdadeiro lôto.
Numerando nas costas os cartões pequenos,
pode exprimir-se o êrro, por confusão, indicando-o
por meio de uma expressão semelhante
a um quebrado, em cujo numerador se escreva
abreviadamente a côr e indique o número
do tom do cartão grande, e em cujo
denominador se escreva abreviadamente tambêm
a côr e se indique o número do tom do
cartão pequeno, que erradamente sôbre o primeiro
se colocou.
Alêm desta prova sujeitei tambêm os alunos
da Casa Pia, que examinei, a uma outra,
que consistia no aproveitamento de um outro
lôto de côres da colecção do
Dr.
Decroly e
M.
lle Mochamp.
Nesse
lôto há quatro cartões,
em cada um dos quais figuram quatro homens
jogando a bola. Cada um deles figura vestido
de certa côr, e cada uma das bolas com que
está jogando tem a sua côr tambêm, mas
diferente
daquela. Alêm dos quatro cartões grandes,
há uma série de cartões pequenos com
figuras correspondentes à do primeiro.
A criança tem que colocar um pequeno
cartão no lugar do cartão grande, que lhe
corresponder. Como se vê, tem de fazer
simultâneamente
a identificação de duas côres.
É
um verdadeiro
test de
atenção.
Estes lôtos ou lôtos semelhantes podem
fabricar-se na própria escola, e constituem
[81]
meios, muito interessantes para a criança, de
lhe testificar a visão das côres e, como se
verá mais para diante, de lhe educar a
atenção
e de a instruir.
Ao médico interessam principalmente as
discromatopsias adquiridas, não só porque
algumas são curáveis, visto serem de natureza
tóxica, mas sobretudo porque são muitas vezes
um sinal importante e precoce de graves
lesões ópticas.
Ao educador, porêm, importam particularmente
as discromatopsias resultantes da falta
de atenção. Tive já ocasião
de vos dizer que
a instrução supre muitas vezes, até
certo ponto,
a cegueira das côres, o que faz com que o
daltónico não só ignore a sua
cegueira, mas
até engane os outros, por distinguir objectos
de côres diferentes e apropriadamente denominar
diferentes côres que aliás não
vê.
Mas é principalmente nos falsos daltónicos,
naqueles que trocam os nomes às côres, por
ignorância, e nos que as não distinguem por
falta de atenção e exercício, que o
educador
tem muito a lucrar, ensinando a denominar
apropriadamente as côres e sobretudo a discriminar-lhes
as nuances. Os exercícios que se
empregam na chamada educação dos sentidos
e que mais própriamente a meu vêr se deve
chamar a educação da
atenção dos sentidos,
porque o que se educa e aperfeiçoa principalmente
não é o sentido em si, mas a maneira
de o aplicar, êsses exercícios têm
tambêm,
áparte a sua acção sôbre a
atenção, esta faculdade
que é a base do que vulgarmente se
[82]
chama inteligência escolar, a faculdade de
aprender, êsses exercícios, repito, têm
tambêm
uma acção notável na
educação do poder discriminativo,
que é o que regula, e torna mais
seguros e exactos, os juízos. Mas mais ainda.
Como as côres têm um poder emocional, umas
excitando e outras deprimindo, o que até em
terapêutica se utiliza, elas podem servir para
a educação do sentimento estético,
preparando
a criança para a emoção pelas obras da
Arte
e pelas da Natureza, o que tudo tem um
grande valor moral. A criança é muito
sensível
a êste poder emocionante das côres e nele
afinal está a razão da
aplicação dos velhos
estimulantes escolares: as condecorações e os
cromos, e do útil aproveitamento no ensino
das estampas coloridas. E a propósito vos
chamarei a atenção para um livrinho muito
interessante, intitulado:
O nosso
Portugal, trabalho
do distinto professor da Casa Pia e
meu dedicado amigo e colaborador, o Sr. professor
Fernando Palyart Pinto Ferreira,
de mais a mais discípulo desta Escola, livrinho
que tive o prazer de prefaciar, e que é,
entre nós, assim o julgo, a primeira
aplicação
consciente dos princípios fundamentais da psicologia
visual infantil.
No
Método
Montessóri, de que agora tanto
se fala, e que, vai para um ano, a Câmara
Municipal de Lisboa mandou dois dos seus
mais distintos professores, um discípulo desta
Escola, o Sr. professor
Rosa y
Alberty, da
Casa Pia, e sua esposa a Ex.
ma Sr.
a
D.
Pulcena
Estrela da Costa, antiga aluna da
[83]
Escola de Ponta Delgada, mandou, dizia, estudar
êsse método com a sua própria autora,
que se encontrava em Barcelona, no
Método
Montessóri, a
educação da visão das côres
tem
um lugar importantíssimo. Nêle se faz uma
inteligente aplicação pedagógica do
processo
de diagnóstico de que vos falei, o processo
das lãs de
Holmgren.
Dá-se uma amostra de
lã ou de retrós, de uma certa côr e
tom, e
manda-se a criança procurar uma igual, entre
muitas outras de diversas côres e tons; mostra-se-lhe
duas ou três côres e manda-se depois
a criança ir procurá-las, de cor, de
memória;
ensina-se a criança a nomear as côres e
os tons; a própria professora mostra-lhas, nomeando-as,
dizendo-lhes os nomes por fórma
a atrair a sua atenção, usando de tom e maneiras
que seduzam a criança, e por vezes
finalmente se organiza com as crianças da
escola um jôgo em que cada uma por sua vez
é encarregada de ir fornecendo às outras as
côres e os tons que estas lhe vão pedindo, e
que depois cada uma tem de agrupar e seriar.
Êste
Método
Montessóri,
de que tanto agora
se fala e que vai avassalando os jardins de
infância e as escolas primárias de todo o mundo,
não é bem uma novidade pedagógica,
nem,
como alguns supõem, uma simples moda, uma
fantasia. Nem novidade porque nele se encontra
a aplicação e por vezes a
reprodução,
pura e simples, de métodos de outros, nem
simples e inútil moda ou fantasia, porque
assenta nas mais sólidas bases da psicologia
da criança.
[84]
A Sr.
a Montessóri
teve
o condão de com
estranha eloqùência fazer a propaganda do
método de educação dos sentidos de
Froebel
e principalmente das variantes adoptadas pelos
médicos e professores dos asilos de crianças
anormais. Fez e faz uma inteligente propaganda
da aplicação dos métodos adoptados
na educação dos que sofrem de
insuficiência
mental de origem patológica, àqueles em que
apenas existe a insuficiência fisio-psicológica,
própria da sua idade, aqueles em que por
assim dizer existe um atrazo normal. E a Sr.
a
Montessóri,
médica e antropologista como é,
encontrou meios excelentes de fazer essa
aplicação.
É sobretudo o notável aproveitamento
que faz do
instinto
dramático da criança,
procurando educá-la pela emoção e por
isso,
ou deixando-a representar, e guiando-a na
representação, ou tornando-a um espectador
interessado, atento e entusiasta, que ouve bem
o que propositadamente diante dêle se faz, e
que depois reproduz por imitação.
Há porêm, na escola Montessóri, e
principalmente
na exposição dos métodos da Sr.
a
Montessóri,
misticismo
a mais e froebelianismo
a mais tambêm. E quando digo froebelianismo,
quero referir-me ao êrro pedagógico do
método froebeliano: à confusão da
simplicidade
lógica com a simplicidade pedagógica.
Aos olhos da criança as formas que nós chamamos
simples, as fórmas abstractas, não são
as fórmas mais simples; no concreto e no complexo
está muitas vezes o que parece mais simples
à criança, porque a interessa mais.
[85]
Em português têm as senhoras e os senhores
um livrinho interessante e bom para
fazer uma idea do método Montessóri; é
o
livrinho da Sr.
a D.
Luiza
Sérgio, intitulado
Método
Montessóri; e se quizerem conhecer,
alêm de uma apologia, uma severa censura e
crítica à Sr.
a
Montessóri
e ao chamado
seu
método, leiam um artigo de
Guido
della
Valle no n.º 6 de Janeiro de 1911, da
Rivista
pedagogica, revista italiana.
Nos jogos educativos do Dr.
Decroly e
de M.
lle Mochamp,
a
educação do sentido cromático
tem tambêm um lugar importante.
Alêm dos lôtos de que falei a propósito
do
exame do sentido cromático em rapazes da
Casa Pia, há outros lôtos, e um dominó
curioso,
que muito interessa os pequeninos (já o
tenho experimentado em meus filhos), um jôgo
de dominó constituido por uma série de pequenos
cartões, aproximadamente do tamanho
das pedras do dominó vulgar, cartões a cada
um dos quais estão, num dos lados, colados,
lado a lado, dois papéis, cada um de sua côr.
Joga-se como se joga o dominó. O aspecto,
que a série dos cartões toma no fim do
jôgo,
interessa muito as crianças. E já que de novo
falei nos jogos educativos do Dr.
Decroly e
de M.
lle Mochamp,
dir-vos hei
que cada um de
vós terá muito que lucrar, lendo o pequeno
folheto que acompanha a colecção daqueles
jogos que o Instituto Jean Jacques Rousseau,
de Genebra, costuma vender, folheto intitulado
Jeux educatifs, e onde todos
encontrarão compendiadas
excelentes sugestões, úteis não
só
[86]
para improvisar processos de educação dos
sentidos e de instrução tambêm, mas
até material
de ensino, que, pode-se dizer, qualquer
pode fabricar. Inspirados naqueles jogos se
pode dizer que são os processos e o material
que se empregam na classe de anormais que
no Instituto médico-pedagógico da Casa Pia
de Lisboa, à Travessa das Terras de Santa
Ana (a Santa Isabel), funciona sob a direcção
do professor
Fernando Palyart
Pinto
Ferreira
e de sua esposa a Sr.
a D.
Lucila
Carmina
Lopes de Santa Clara, distinta professora
oficial, antiga aluna tambêm da Escola
Normal de Lisboa, que com o Sr. professor
Cruz Filipe, da
classe de
ortofonia, e o Sr.
Joaquim Almada, da
classe de
dizer, comigo
ali trabalham.
Minhas Senhoras e meus
Senhores
Meus Alunos
Agora mais do que nunca é preciso organizar
os serviços de instrução por
fórma que
na educação se vise o aproveitamento de todos,
a valorização de cada um, ao máximo,
aumentando o mais possível o rendimento de
suas faculdades. A guerra pede-nos os mais
fortes e os melhores. Na paz só nos poderemos
salvar, compensando o sacrifício que fizemos,
valorizando ao máximo os que restarem,
os que escaparem, e os novos. Temos infelizmente
[87]
não só que suprir as faltas de todos
os dias, as faltas triviais, mas alêm destas as
formidáveis perdas que por certo resultarão
dêste monstruoso acidente da vida do mundo:
a actual guerra. Por isso há que tratar cada
um dêstes homens embrionários, dêstes
cidadãos
in herbis, que nos confiam,
há que tratá-los
por fórma a bem medirmos o valor das
suas faculdades e préstimos incipientes, e por
meio da sciência, e com tôda a arte,
aproveitar-lhas
e desenvolvê-las e encaminhá-las o
melhor possível. Não. Não podemos nem
devemos
como até aqui limitar-nos a aprender
métodos de ensino, quási na ignorância
e desprendimento
do conhecimento da natureza e
características da criança.
¿Que se diria de um alfaiate que nos quizesse
fazer um fato, sem medida? ¿E sobretudo
que se diria ao ver que o fato que nos
destinava não nos servia, não se ajustava ao
nosso corpo e ou nos tolhia os movimentos
ou nos cobria de ridículo? ¿E com mais
razão,
que se diria do educador, que no desconhecimento
da natureza da criança, a educasse,
deformando-lhe a mente, prejudicando-lhe o
carácter, e obstinando-se em adoptar processos
os menos conformes com o seu temperamento,
os menos convenientes para um inteligente
aproveitamento da sua personalidade, e os
menos conducentes à sua felicidade e afinal à
nossa própria, porque são as crianças
de hoje
quem amanhã nos há-de governar e julgar?
Vós respondereis.
Para vos ensinar a conhecer a criança e
[88]
para vos ensinar a pelo seu conhecimento melhor
aplicar e escolher os métodos que os
vossos professores de pedagogia e de prática
vos ensinam, para isso aqui estou.
Ajudai-me com a vossa atenção e eu vos
ajudarei com a minha experiência, com o meu
modesto saber e com a minha dedicação a
mais sincera.
Está aberto o nosso curso dêste ano.
Belêm, 3 de Dezembro de 1916.
SÔBRE UMAS PROVAS DE EXAME
DA ATENÇÃO VOLUNTÁRIA VISUAL[10]
Minhas Senhoras e Meus
Senhores:
Havia eu prometido ocupar-me na série de
conferências
pedagógicas organizada na
última
gerência ministerial do senhor professor
Ferreira
de Simas, havia eu prometido, ocupar-me,
dizia, do ponto:
A pedologia prática e a
prática do ensino na escola
primária, e prometera
tambêm que essa minha conferência
serviria êste ano de lição de
encerramento do
curso de Pedologia que tenho tido a honra
[90]
de reger na Escola Normal de Lisboa. Sucede,
porêm, que o meu último trabalho dêste
ano
foi industriar os meus alunos na prática da
medida da atenção voluntária visual, e
sendo
assim pareceu-me poder conciliar o compromisso
tomado com a necessidade de comentar
as observações que, sôbre aquela
fórma de
atenção periférica, fizemos na escola
anexa à
Normal Primária de Lisboa, pareceu-me poder
conciliar o compromisso com a necessidade do
comentário, aproveitando as
observações feitas
para, por uma maneira mais concreta, dizer o
que tencionava dizer sôbre o ponto que escolhera
e a que a princípio pensára dar uma
fórma mais teórica e geral.
O assunto:
a atenção e a sua
medida é
um ponto capital de pedologia psíquica aplicada
à educação.
A atenção é a base do que
Binet chamou
a
faculdade escolar, a faculdade de
aprender
na escola, a faculdade de assimilar o ensino
nela ministrado, pelos métodos mais usuais.
Para ser bem sucedido nos estudos são precisas,
diz com razão ainda
Binet, qualidades
que dependem sobretudo da atenção, da vontade
e do carácter. E «saber manter a
atenção
dos escolares, apropriar o grau de atenção
à dificuldade e à importância do
trabalho a
realizar é quási tôda a arte do
professor»,
diz
Van Biervliet.
Portanto,
debaixo do ponto
de vista da importância, creio ter escolhido
um ponto excelente. E quanto ao que queria
principalmente demonstrar na minha conferência:
a possibilidade de praticar estudos pedológicos,
[91]
sem perturbação nem prejuízo das
funções e obrigações
didácticas, nenhum melhor
assunto serviria para defender esta tese
do que êste: a atenção e a sua medida.
Alunos
meus tiveram ocasião de ver que, em alguns
minutos, se poderia sem perturbar a
classe, nem alterar o ensino, fazer importantes
experiências que entre outras coisas podem
ser aproveitadas para conhecer os alunos
debaixo do ponto de vista da atenção, descobrir
anormais, medir a fadiga, julgar horários,
programas, métodos de ensino, e até ensinar
a estar atento.
Tem sido sempre minha principal preocupação
o professar pedologia que possa directamente
aproveitar ao ensino primário, não
aconselhando senão processos de
observação
e experiência, fáceis, compatíveis com
a preparação
dos alunos da Escola Normal Primária,
e que não distraíam os mestres das
obrigações
didácticas, e antes pelo contrário contribuam
para que melhor as cumpram, fazendo
sempre lembrar-lhes que, mais do que ministrar
noções, lhes compete preparar o
espírito
dos alunos para as receber, e para isso é
indispensável
saber conhecer os alunos, saber o
que são, conhecer a personalidade de cada
um, e saber-lhes aproveitar o feitio. Esta tem
sido de facto a preocupação principal e a
orientação com que tenho preparado as minhas
lições e elas claramente se notam nas
três lições que já
publiquei:—
O ensino da
pedologia, na Escola Normal Primária,
O
pêso do corpo da criança, e
A agudeza visual
[92]
e a auditiva, debaixo do ponto de vista
pedagógico.
Minhas Senhoras e meus
Senhores:
No ensino ordinário da escola primária
utiliza-se e treina-se muito a atenção
voluntária
visual verbal, isto é, utiliza-se e exige-se
um estado de espírito em que o aluno
voluntáriamente
toma a atitude que mais convêm
para receber as estimulações visuais determinadas
pelas palavras escritas. Não será a
fórma de atenção mais útil
para a vida, porque
no mundo ambiente, como diz
Van
Biervliet,
a atenção não tem que dirigir-se,
orientar-se,
concentrar-se sôbre as fórmas verbais
das cousas, sôbre a descrição dos
factos, sôbre
os resumos dos acontecimentos, mas sim sôbre
as próprias cousas, sôbre os próprios
factos,
sôbre os próprios acontecimentos; não
será
portanto a fórma mais útil para a vida, mas
é uma das mais úteis para o sucesso na escola.
Alêm disso, por meio da sua medida, se
podem resolver vários problemas escolares,
principalmente porque por meio dela se pode
medir a fadiga escolar. Aqui têm, pois, V.
Ex.
as mais uma razão, e afinal a
principal, da
escolha que fiz do tema da minha lição de
encerramento, que vai versar:
sôbre umas
provas de exame da atenção voluntária
visual,
[93]
colhidas em alunos da, escola anexa, à
Normal Primária de Lisboa.
Mediu-se a atenção pelo método da
correcção
de provas (método de
Bourdon), utilizando
umas vezes o
test de
Toulouse e
Vaschide,
uma fôlha impressa com 1.600 sinais, figurando
cada um deles um pequeno quadrado
com um traço do mesmo tamanho, dirigido
para fora, e orientado segundo 8 direcções, o
que dá lugar a 8 sinais diferentes, fôlha que
obtivemos mandando reproduzir a que acompanha
o vol. II da
Técnica de psicologia
experimental
de
Toulouse e
Piéron
(edição de
1911), outras vezes utilizando trechos do livro
de leitura habitual dos alunos da 4.ª classe
da escola anexa, mandando nele riscar determinadas
letras, uma ou duas, num tempo determinado
(cinco minutos em regra) ou riscá-las,
cortando-as numa certa porção de trecho,
em que de antemão tinhamos verificado qual
o número de letras escolhidas que nela havia,
número que a criança, riscando as letras, deveria
verificar, recomeçando o trabalho tantas
vezes quantas fôssem precisas para alcançar o
número de letras que no trecho existiam e
que nós lhe haviamos préviamente indicado
(processo de
Van Biervliet).
Mediamos assim
a atenção pela correcção ou
pela velocidade
ou pela correcção e velocidade com que as
crianças suprimiam sinais do
test de
Toulouse
e
Vaschide ou letras
dum trecho do
seu livro
de leitura.
O método que empregámos é aquele que
permitiu a
Binet
verificar, numa
escola primária
[94]
de Paris, a coincidência da
classificação
dos alunos, debaixo do ponto de vista da
atenção, feita por meio dos
tests colhidos em
alguns minutos de experiência, com a
classificação
dos mesmos alunos feita pelas notas do
professor, notas resultantes duma apreciação
longa e demorada. E a propósito vale a pena
lembrar que, citando estes factos,
Binet acentuou
que o êxito escolar resulta mais da
atenção
do que da inteligência, que o aluno mais
atento pode não ser o mais inteligente e que
por isso não é de estranhar que as
crianças,
que os
tests levam a considerar como
inteligentes,
não sejam sempre as mais adiantadas,
as que mais aproveitam, as que dão melhores
tests da
atenção.
O mesmo método de medida da atenção
que pratiquei e fiz praticar aos meus alunos
é um dos que permitiu a
Ley demonstrar que
os movimentos respiratórios lentos e amplos,
dilatando vagarosamente e largamente o torax,
com as espáduas bem aproximadas, sem
elevação
dos braços nem elevação do corpo
sôbre
as pontas dos pés, são um excitante da
atenção
voluntária, e foi êle que com o método
dos
tempos de
reacção tambêm
permitiu a
Ley
verificar que um repouso de quatro minutos,
sem execução dêsses
exercícios respiratórios,
actua muito menos benéficamente sôbre a
atenção
do que quando durante o mesmo tempo
se executam movimentos respiratórios pela
fórma que acima precisei.
Foi tambêm empregando êste método da
correcção de
provas que eu obtive
tests da
[95]
atenção em alunos da escola primária
oficial
de Belêm, sem classe de trabalhos manuais, e
em alunos do mesmo grau escolar, da Casa
Pia, com bastante prática de trabalhos manuais,
tests que me permitiram sustentar e
demonstrar no meu discurso:
Da influência
dos trabalhos manuais no desenvolvimento do
espírito, que os trabalhos manuais treinam
a
atenção, melhoram a
atenção.
As primeiras experiências que fizemos na
escola anexa foram praticadas utilizando o
test de
Toulouse e
Vaschide.
A medida da atenção por meio da
supressão
de letras ou sinais equivalentes funda-se
no facto de numa série de percepções
análogas,
monótonas, tenderem essas percepções a
alterar-se, a enfraquecer, a apagar-se, sendo
necessário para evitar essa alteração
e fazer
com que as percepções continuem a efectuar-se
correctamente, que a atenção
voluntária intervenha,
procurando assim fazer manter a intensidade
inicial dos fenómenos sensoriais. Se
a atenção voluntária tende a
enfraquecer, a
baixar, as percepções deixam de se efectuar
uma ou outra vez, ou efectuam-se incorrectamente,
e nós podemos medir essa baixa, o
gráu de atenção, examinando os erros e
a variação
da velocidade do exame, durante um
certo lapso de tempo, em que o examinando
colhe uma série de percepções da mesma
espécie
e gráu (percepções
monótonas).
Mandando riscar as letras num trecho em
língua conhecida, o exame pode ser perturbado
pela influência da leitura do texto, pela
[96]
compreensão do texto, pelo sentido das palavras,
sendo muito difícil, se não
impossível, a
quem não está habituado a abstrair, fazer
com que só se procurem letras e não se leiam
as palavras.
Tem-se procurado evitar êste inconveniente
ou dando trechos em língua estranha ou empregando
tests como o de
Henrotin
(
Contribution
à l'étude de l'atention visuelle chez les
enfants, in
Rév. de
Pédotechnie, n.
os 2 e 3,
1914), em que a prova é constitùida por uma
fôlha com 832 letras, repartidas em 26 linhas
de 82 caracteres de imprensa bem separados
e muito nítidos, de maneira a evitar confusões,
letras que, como por exemplo o
a, o
e e
o
u, se encontram repartidas duma
maneira
irregular e por fórma tal que nada há que
possa indicar ao examinando nem o lugar,
nem o número das letras cuja supressão ou
indicação se pede. Sucede, porêm, que
nem
tôdas as letras do alfabeto são igualmente
visíveis, nem tôdas chamam igualmente a
atenção,
como o faz notar
Van Biervliet;
umas,
como êle diz, o
x por
exemplo, atraem pela
sua raridade, outras como o
f e o
b, letras ao
alto, extensas, chamam mais a atenção do que
as letras baixas
e e
r, por exemplo. Entre
estas, umas há bastante largas como o
m, que
nos impressionam mais, outras mais altas do
que largas, outras tão largas como altas, etc.
Para evitar estas diferenças que podem perturbar
o exame, a medida da atenção, é que
Toulouse e
Vaschide propuzeram a
sua prova,
uma prova de sinais igualmente interessantes,
[97]
que podem servir mesmo para os que
não sabem ler; tem alêm disso a vantagem
de evitar a influência do hábito da leitura e
revisão de provas.
O emprêgo da prova de
Toulouse e
Vaschide
na escola anexa revelou-nos factos interessantes
para que chamo a vossa atenção.
Em primeiro lugar:—examinando a atitude
dos alunos da 4.ª classe durante o tempo em
que riscavam sinais, alguns vimos que pelo
cuidado com que examinavam pareciam prestar
grande atenção, mas cujas provas vinham
cheias de erros. Sucede isso muitas vezes. São
criaturas apáticas, cuja lentidão habitual os
faz confundir com aqueles que, não sendo
apáticos, se imobilizam, ou tornam lentos, pelo
esfôrço da atenção. Os
primeiros não são atentos,
assemelham-se aos atentos.
Pode suceder tambêm que apareçam alunos
que não compreendam a prova, que cortem a
êsmo, que cometam muitos erros, riscando sinais
e letras ao acaso. Sucede isso com atardados
profundos, e essa prova serve-me muitas
vezes no
Instituto Pedagógico da Casa
Pia, como meio de reconhecer o gráu de
anormalidade
dos anormais que ali vão.
Anormal que não compreende o
test, é
anormal médico, é anormal profundo, é,
em
regra, o idiota. Para mim êste sinal vale como
o de
Demoor.
Outro facto curioso que observámos é o
de na primeira experiência termos chegado
pelos
tests a considerar como
atentos alunos
que a Sr.
a professora da escola anexa indicava
[98]
como desatentos e grandes desatentos.
Um facto semelhante sucedeu a
Binet, que,
com grande surpresa, verificou uma vez, examinando
alunos de uma classe de anormais
pedagógicos, que êsses anormais afinal riscavam
tantas letras como os normais. O facto
resultava das condições em que primeiro
experimentára:
os alunos tinham sido observados
isoladamente e na sua presença. A
acção da
presença do observador foi uma verdadeira
acção estimulante. Postos os alunos à
vontade,
trabalhando sem estar sujeitos a vigilância,
diferenças, e grandes, logo se mostraram.
O resultado das discordâncias que observámos
no nosso primeiro exame deve provir,
em primeiro lugar, da acção da curiosidade
despertada por aquele exercício completamente
novo; em segundo lugar da minha presença e
do ar solene que a prova tomou; em terceiro
lugar talvez de nesta altura do ano se encontrarem
mais fatigados os bons alunos, os alunos
aplicados, que mais trabalharam, do que
os desatentos habituais, preguiçosos, menos
aplicados, que menos se esforçaram.
A lição a tirar é de que
não devemos procurar
formar um juízo sôbre a
atenção por
um só exame por meio de
tests. É
necessário
repetir e sempre ter o aluno à vontade, sem
estar sujeito a uma vigilância severa, nem às
nossas estimulações por
acção intimidante ou
reconfortante, como diz
Binet.
Em regra, fizemos cortar um só sinal. Há
vantagem, quando se quer acentuar as diferenças
individuais, em empregar dois.
Toulouse
[99]
e
Piéron,
na sua
Técnica, dizem obter-se
por esta fórma, em condições normais,
um
óptimo de diferença individual. Outro facto
importante e interessante que observámos, no
dia da primeira experiência, foi o de, ao
contrário
do que era de esperar, ver que as provas
da tarde foram, em geral, superiores em
velocidade e correcção às provas da
manhã.
Nos mesmos cinco minutos, os alunos, na sua
maioria, percorreram uma maior extensão de
test, e cometeram menos erros. Ora
era de
esperar que, depois de quatro horas de trabalho,
a atenção tivesse baixado, em virtude de
fadiga, que era natural que houvesse. Êste
paradoxo resulta em primeiro lugar da surprêsa,
da emoção que deve ter causado a
experiência
da manhã. Os alunos nunca tinham
sido sujeitos a ela; nunca tinham visto o
test.
Deviam estar em estado emocional semelhante
àquele em que nos coloca um exame, de que
nos arreceamos. Á tarde estavam mais calmos,
e de mais a mais vim a saber que se lhes
tinha explicado o fim da experiência e se os
tinha animado. Alêm disso, nestes exames, o
aluno treina-se, aperfeiçoa-se, aprende a fazer
o
test.
E esta influência do treino deve entrar em
linha de conta na interpretação dos resultados
das experiências. Para anular a influência do
exercício, aconselha-se a prática do
método
das repetições, que consiste em
«fazer um
grande número de experiências preliminares
até que o exercício tenha produzido todo o
seu efeito», até que o examinando tenha adquirido
[100]
todo o treino. Podem tomar um conhecimento
suficiente dêste método lendo o que
sôbre êle diz
Claparède
no livro
Psychologie
de l'enfant, que conjuntamente com o livro
de
Binet,
Les
idées modernes sur les enfants,
não me canso de aconselhar, e a que por mais
de uma vez tenho com razão chamado
breviários
do educador.
Para terminar o que desejava dizer sôbre
as nossas primeiras experiências, apontarei o
facto curioso de termos observado duas alunas
da 4.ª classe da escola anexa, que percorreram
o
test, não deslocando o
olhar horizontalmente,
seguindo as linhas, mas sim verticalmente,
seguindo as colunas. A propósito lembra-me
dizer-lhes que há quem tenha recomendado,
como convindo mais à leitura, o
dispor as palavras em linhas verticais e não
em horizontais, como fazem os japoneses, por
exemplo. Com o esfôrço e o movimento dos
olhos que se executam percorrendo uma palavra
horizontalmente, pode-se, com a disposição
em linhas verticais, atravessar umas poucas
de palavras e abreviar a leitura.
O facto que se deu mostra que antes de
iniciar a experiência com a prova de
Toulouse
e
Vaschide se deve
explicar a
maneira
de proceder.
Habitualmente costumo destinar cinco minutos
para a experiência e contar no fim o
número total de sinais existentes no trecho
do
test que cada um observou,
contando depois
o número de erros, conjuntamente os
erros de omissão ou falta de supressão, e os
[101]
de troca de sinal, ou erros de reconhecimento.
O número total de sinais existentes no
trecho
visto em cinco minutos
indica-nos, para
cada um, a velocidade; a percentagem dos
erros indica-nos o grau de correcção.
Como os futuros professores, na sua escola,
não vão ter naturalmente à sua
disposição
fôlhas com os sinais de
Toulouse e
Vaschide,
fiz praticar alguns exames da atenção,
pelo método de correcção de provas,
utilizando
trechos do próprio livro de leitura dos alunos,
fazendo-os cortar duas letras igualmente visíveis,
e atraindo igualmente a atenção,
b e
d,
b e
t por exemplo, mudando de letras de
experiência
para experiência, para evitar a influência
do treino. Fazia tambêm com que
todos os alunos cortassem letras no mesmo
tempo (cinco minutos, em regra, como já disse)
e no fim recolhia os livros de leitura para
tomar nota do número total de letras escolhidas
existentes no trecho examinado em cinco
minutos, e estabelecia a proporção por cento
das faltas que tivessem cometido.
Dos processos que praticámos aquele que
particularmente aconselharei é o de
Van
Biervliet,
que já descrevi, e em que se mede a
atenção visual pela velocidade da
correcção
de provas, indicando para isso ao aluno um
trecho com um determinado número de uma
ou duas letras escolhidas (todos os
b e
d por
exemplo) e fazendo-o verificar êsse número,
devendo recomeçar tantas vezes o trabalho
quantas as necessárias para encontrar o número
[102]
indicado. A velocidade é expressa pelo
tempo de duração da prova, para cada um.
Êste
test
obtêm-se em regra em dois ou três
minutos, e os meus alunos que assistiram às
experiências viram como êle com facilidade
permite comparar a atenção visual dos alunos
de uma classe, e agrupá-los debaixo do ponto
de vista da atenção. As experiências em
que
praticámos êste processo mostram-nos bem a
influência que a fadiga tem sôbre a
atenção.
Comparando os resultados obtidos nas experiências
da manhã, antes de começarem as
aulas, com os obtidos à tarde, ao fim delas,
verificou-se com facilidade que o número de
alunos do primeiro grupo, o dos que realizaram
a prova com mais rapidez, diminuiu: e
mais se viu que, naqueles que na segunda
vez ainda figuravam entre os primeiros, a velocidade
era menor à tarde do que de manhã;
a prova durava mais. O processo que
Van
Biervliet recomenda, e que é aquele de
que
estou falando, tem o inconveniente de exigir
para uma fácil verificação da
duração da prova,
e evitar que nos enganem, exigir, dizia, o
exame dos alunos por pequenos grupos, de
quatro a cinco. Para tirar conclusões é, como
em todos os de que falei, necessário repetir
as experiências. Como questão capital, mais
uma vez direi que estas experiências psicométricas
que se aconselham aos professores, não
têm em vista, como muitos supõem, distraindo-os
das suas funções de professores, pô-los
na situação de investigadores ao
serviço da
sciência, a perscrutar leis, ou descobrir novos
[103]
factos, ou verificar observações daqueles que
com uma preparação, profunda e especial, se
consagram a estudos pedológicos. O professor
deve fazer a pedologia necessária para praticar
o ensino que lhe pertence e praticá-lo nas
melhores condições, e no maior acôrdo
possível
com o feitio do seu educando, e com as
regras pedagógicas induzidas pelos pedologistas
de profissão, por aqueles que especialmente
se preparam para investigações
scientíficas
na criança, tendo em vista as suas
aplicações
pedagógicas.
Os processos de medida da atenção visual
de que falei podem ser praticados pelo professor,
sem que lhe tomem muito tempo, e
podem servir-lhe, desde que se não esqueça
de certas precauções, tendo em vista evitar a
influência de factores que perturbam os resultados
ou a interpretação dos resultados destas
experiências fáceis, mas não simples,
podem
servir-lhe, dizia, para orientar convenientemente
o seu ensino, e verificar, como por
exemplo
Van Biervliet
diz a
propósito da
medida da fadiga escolar, verificar o valor, o
interêsse da sua própria maneira de ensinar.
Os
tests não servem
só para julgar, por
exemplo no nosso caso, do valor da atenção e
do gráu da fadiga; servem tambêm como
meios excelentes para educar, para treinar a
[104]
própria atenção do aluno. Demais
êles têm
para o aluno o caracter, que mais lhes prende
e chama a atenção, de verdadeiros jogos, e
como tal podem ser aproveitados. Com o fim
de treinar a atenção podereis, sem inconveniente
nem perturbação do ensino, mandar de
vez em quando, durante alguns minutos, mesmo
no decurso da própria lição, mandar
cortar
certas letras, uma, duas, três, etc, e estimular
os alunos para ver quem mais correctamente
e rápidamente as corta. Ensinareis
assim os vossos alunos a orientar a sua atenção,
e a fixá-la. É uma verdadeira
lição de
vontade. E o exame dos
tests e a sua
apreciação
contribuem tambêm muito para a educação
do professor; experimenta-lhe e disciplina-lhe
a sua própria atenção e
paciência e
dá-lhe, pelas conclusões a que leva, ensinamentos
muito úteis à pratica do ensino. Cria-lhes,
alêm disso, um utilíssimo hábito
scientífico:
o hábito de experimentar.
É das Universidades e dos seus cursos de
psicologia e de pedologia, dos seus laboratórios
especiais, e da sciência livre e desinteressada
e pura que muitas vezes nelas exclusivamente
se professa, que têm saído os ensinamentos
que transformam dia a dia a arte de
ensinar e revolucionam a sciência pedagógica.
Se não se quere ir até fazer com que a
[105]
preparação do professor primário se
faça na
própria Universidade, como nalgumas partes
sucede, é indispensável aproximar o mais
possível
a
escola dos mestres da
Universidade,
para que ela sofra a benéfica influência desta
alma mater, onde se deve professar
com todo
o desenvolvimento a sciência da criança, a
antropologia da criança, a pedologia, a base
da pedagogia nova, da pedagogia scientífica,
da pedagogia natural, da pedagogia moderna,
da verdadeira pedagogia.
Que ao menos, como Credaro fez em Itália,
se crie junto às Universidades
escolas
pedagógicas,
cursos de aperfeiçoamento para os futuros
professores, e mesmo para os actuais.
Senhores:
Na Universidade é que se deve apurar no
maior gráu possível o espírito
scientífico, o
espírito de investigação e de
crítica tolerante,
o bom senso, aquele que permite descobrir a
realidade e as possibilidades. E em nenhuma
arte, mais do que na do mestre-escola, é
necessário
êsse bom-senso, o excelente hábito de
observar e experimentar, que leva ao tacto e
à paciência, indispensáveis para
proveitosamente
se lidar com crianças e saber conhecê-las
para saber ensiná-las.
A aproximação do mestre primário da
Universidade
[106]
tem ainda outras vantagens. O espírito
da Universidade deve ser o verdadeiro
espírito democrático; difundir a cultura por
todos, criar uma atmosfera em que se encontrem
misturadas tôdas as ideas, todos os sentimentos
que irradiam de todos os ramos da
cultura e que contribuem, como diz
Lanson,
«para abrir no espírito dos novos, antes da
hora da especialização inevitável, o
espectáculo
total da sciência, a fim de fazer com que
cada um seja mais do que um simples artífice
intelectual, para que todos compreendam a
dignidade da tarefa que a cada um pertence,
sabendo que laços a prendem ao todo.»
Á Universidade compete (e é nela que é
mais fácil isso fazer-se), compete formar a
própria nacionalidade e a própria democracia.
Juntando-se todos dentro dela e sofrendo-lhe
a influência, poderá mais fácilmente
fazer-se,
do que nas escolas especiais se faz, fazer-se,
dizia, com que desapareçam os preconceitos
de origem, de classe e de profissão. «De certo,
como diz o Dr.
Bernardino Machado,
na sua
célebre oração de sapiência,
A Universidade e
a nação, de certo que entre os
diversos ramos
da actividade humana há classificação,
mas
reversível, à semelhança do que
acontece com
a própria árvore natural, onde até os
ramos
se podem transmudar em raízes e as raízes
em ramos. O que não há é
subordinação deprimente,
do maior para o menor; como a não
há, de um para outro ramo, entre os profissionais
que os cultivam. São todos homólogos,
todos irmãos». Êste espírito
de fraternidade
[107]
ninguem melhor o pode incutir do que
o ensino universitário.
Meus senhores e particularmente meus alunos:
não sofram da ilusão do diploma, a mais
perigosa de tôdas as ilusões das escolas da
nossa terra. Não imaginem que o número de
valores com que no fim do seu curso a Escola
Normal os brinda, e lhes premeia o seu esfôrço,
significa que são professores, aptos e prontos,
cujo
valor profissional,
profissional repito,
se pode medir exclusivamente, ou principalmente,
olhando para um papel e para uma
cifra.
Um diploma distinto de uma das nossas
escolas normais significa apenas que o aluno
estudou e se apresentou distintamente na
freqùência
das disciplinas dessas escolas. As nossas
escolas normais são, como me parece que
disse
Guex, o
autorizado professor
suiço, simples
escolas primárias superiores com a cadeira
de pedagogia. Nos valores da carta do normalista
não influi ainda o curso de pedologia,
nem a pedagogia tem um maior coeficiente do
que o das disciplinas de cultura geral. Está-me
a lembrar o que há dois anos me sucedeu
com um candidato a professor da Casa Pia,
que calorosamente defendia a sua pretensão,
insistindo em que devia ser preferido só porque
tinha 20 valores; muito simplesmente lhe
retorqui:—
Imagine o senhor que não tem
paciência,
nem calma. ¿Dizem os seus valores
alguma cousa sôbre isso? ¿Quem o
quererá
para professor de seus filhos, se não
tiver
[108]
aquelas qualidades? Professe, ensine primeiro;
depois se verá se é professor.
E, a propósito
ainda, me lembro de uma outra anedota
que uma vez ouvi contar, na aula de obstetrícia
da Universidade de Coimbra, ao querido
e sábio professor Dr.
Daniel
de
Matos. Contava
êle que um parteiro notável com quem
uma vez conversára, falando-lhe dum grande
êrro profissional cometido por um médico,
começou assim a sua narrativa:—
Un jour,
un collégue, pardon, un
médecin...» Há na
realidade muitas vezes uma grande distância
entre um diplomado distinto e um distinto
profissional.
O professor primário precisa de ter uma
sólida cultura geral, e conhecer bem os métodos
de ensinar, e o ser que tem a ensinar,
mas não menos do que da erudição, deve
tratar
da sua educação scientífica, do
hábito de
investigação, adestrar a paciência,
apurar o
bom senso, e criar e fortalecer e desenvolver
a fé e o entusiásmo pela sua
profissão.
Aproximá-lo da Universidade e nela pô-lo
em contacto com aqueles que mais provávelmente
subirão e alcançarão os mais elevados
lugares, os de dirigentes da sociedade, é contribuir
não só para lhe ampliar a cultura e
para lhe desenvolver o espírito scientífico,
mas tambêm para o dignificar, e fazer estimar
mais a sua profissão, a sua nobilíssima e
importantíssima
missão de educador primário,
primário em todos os sentidos da palavra.
Bem haja quem organizou esta série de
conferências, de que a minha é êste ano
a última
[109]
em número e em mérito e bem haja a
nobre Universidade de Lisboa por não ter duvidado
abrir as suas salas aos professores primários
e permitir-lhes até que das suas cátedras
falassem.
Escolas, escolas, construí
escolas, se grita
à maneira de Sarmiento, na crença de que elas
por si transformarão e melhorarão a sociedade.
Professores, professores, bons
professores,
exclamarei eu,
porque êles são
indispensáveis
para fazer as boas escolas. E antes talvez de
melhorar os processos da sua formação, talvez
que antes disso seja preferível fazer o que estamos
aqui a fazer: dignificar a profissão, fomentar
a consideração por ela, atrair os mais
aptos e criar o entusiásmo e a fé, que nesta
modesta mas fundamental profissão ou, melhor,
sacerdócio do professor primário, mais do que
em nenhuma são precisos.
Proteger o professor, honrar o professor, e
fazer com que êle seja o que deve ser e saiba
honrar a sua profissão é contribuir para a
valorização
da nossa terra. Êles tudo têm em suas
mãos, porque, como já uma vez eu mesmo
disse, nelas têm a Patria e os seus soldados.
A vitalidade de uma nação pode julgar-se
pela maneira por que ela prepara e considera
e paga os seus professores.
¡Senhoras e senhores! ¡Honrai o professor!
Disse.
DA INTELIGÊNCIA DO ESCOLAR
E DA SUA AVALIAÇÃO[11]
«
Vuota di sentimento e di azione
l'intelligenza è una forma
inconcepibile.»
Prof. Saffiotti.
Á semelhança do que têm feito outros
paises
em que a politica da Educação é
politica
dominante e onde, portanto, a arte de governar
os homens se prende íntimamente e depende
intencionalmente da de governar as crianças,
à semelhança de algum dêstes
países onde
a felicidade da Nação se trabalha e
fórma
principalmente na escola, abriu-se êste ano entre
nós um curso de aperfeiçoamento para professores
primários, em que eu tenho a honra
de inaugurar o curso de Psicologia experimental.
Em bôa hora o seja.
Longe de me poder considerar à altura dos
[112]
Mestres, a quem lá fóra se tem confiado
êsse
ensino de aperfeiçoamento, extensivo até aos
professores de escolas normais e aos inspectores
primários, esforçar-me hei no entanto por
me pôr ao par deles no desejo de, segundo os
seus ensinamentos, fazer com que as senhoras
e os senhores adquiram o mais rápidamente
possível noções e hábitos
que se possam traduzir
num imediato melhoramento do ensino
pelo melhoramento dos mestres. Não pretendo
tanto aumentar-lhes a cultura, como sobretudo
aperfeiçoar a arte de aproveitar a cultura e
as aptidões que já têm, em grande parte
até,
graças à sua experiência profissional.
Não farei o que costumo fazer no meu curso
regular, agora de dois anos completos e
onde insistentemente, minuciosamente, eu principalmente
procuro: 1.º
Arreigar a
convicção
de que os fenómenos psíquicos são
fenómenos
de reação nervosa, susceptíveis de
serem estudados
por métodos objectivos, e portanto de
que a Psicologia é uma sciência
biológica,
uma sciência do quadro das sciências
naturais;
2.º
de que a educabilidade é uma
propriedade
do sistema nervoso; 3.º
de que
essa,
propriedade se pode estudar e cultivar segundo
as normas habituais das experiências
scientíficas;
4.º
de que a avaliação da
educabilidade
é o problêma, psicológico fundamental
do professor.
Quási saltarei sôbre os três primeiros
números
do meu programa habitual e caírei sôbre
o quarto, e estudarei, em sua companhia,
aquilo para que os julgo mais habilitados e
[113]
que mais rápidamente se poderá traduzir num
melhoramento pedagógico, de origem puramente
psicológica:
A inteligência do
escolar e
a sua avaliação; tanto mais que
para êsse
estudo se encontram prontos a serem utilizados
pelos mestres dois pequenos volumes ao
alcance de todos:
La medida del desarollo de
la intelligencia en los niños de
Binet e
Simon,
tradução espanhola do professor do Instituto
nacional de surdos mudos, cégos e anormais,
de Madrid, sr.
Orellana,
publicado
em 1918, e a
Contribuição para o
estabelecimento de uma
escala de pontos dos níveis mentais das crianças
portuguêsas, publicada por dois ilustres
compatriotas nossos, a quem a bibliografia pedagógica
moderna portuguêsa já bastante
deve: o sr.
Antonio Sergio
e sua
esposa a Sr.
a
D.
Luiza Sergio,
contribuição publicada em
volume, em junho de 1919.
Num curso de psicologia objectiva, os fenómenos
psíquicos são considerados como
reflexos
cerebrais, como lhe chama
Bechterew,
reacções exteriores que dependem da
experiência
de cada indivíduo, durante a sua vida.
Estudam-se as reacções do indivíduo em
relação
com o meio ambiente, incluindo nêste o
meio social e a própria escola.
As reacções que particularmente estudamos,
os fenómenos que constituem o objecto da
[114]
Psicologia objectiva, e que nela os procuramos
estudar como se estudam os outros fenómenos
da Natureza, dependem não só da estrutura
do indivíduo e da acção da
ocasião, mas tambêm
de acções e reacções
anteriores a essa
ocasião.
A acção de ocasião junta-se,
associa-se nos
seus efeitos aos efeitos das acções anteriores,
de maneira que a reacção é
influída e regulada
por estas. Eis a essência do fenómeno
mental.
A educação não é mais do
que o aproveitamento
desta propriedade do sistema nervoso,
ou mais precisamente dos hemisférios cerebrais,
desta
memória associativa
(
Loeb), com
o fim de, por meio dela, regular a actividade,
o procedimento, a acção do indivíduo.
A educação é a
utilização da
memória
associativa,
é o regulamento intencional da experiência
do indivíduo, é a formação,
a cultura,
em obediência a certos princípios e
interêsses,
do poder da sua
memória
associativa.
Será esta a
Inteligência?
Variadas e, por vezes, discordes são as
definições
que se dão, e as significações que se
atribuem a esta palavra.
A inteligência talvez se possa definir, em
psicologia objectiva, como uma manifestação
externa da memória associativa, que se caracteriza
por actos de adaptação às
variações das
circunstâncias. É, até certo ponto
isto, se
assim se pode dizer, uma tradução em linguagem
fisiológica da concepção que
Bergson exprime
quando diz que a «função essencial da
[115]
inteligência consiste em encontrar em quaisquer
circunstâncias os meios de se tirar de
dificuldades.»
É a inteligência uma
utilização da memória
associativa. É a propriedade de ajustar os
traços das reacções anteriores, isto
é, a experiência
individual anterior, à experiência da
ocasião, para uma adaptação a novas
circunstâncias,
por meio de reacções reguladas pela
experiência anterior do indivíduo, repito.
A inteligência sob este ponto de vista, é
uma manifestação externa, global, da
memória
associativa, e que se avalia pela sua finalidade,
pelo valor do ajustamento, em rapidez e
perfeição, às
variações quantitativas e qualitativas
das circunstâncias.
Ora esta fórma de actividade mental deve
depender não só dos conhecimentos
própriamente
ditos, das ideas, mas tambêm do sentimento
de prazer ou de dôr que acompanhou
as experiências anteriores e acompanha as
actuais, isto é, da
afecção, se se
quizer adoptar
o termo que o sr.
Antonio Sergio
emprega
para designar o
elemento sentimental
(
Da
Natureza da afecção, separata
da «
Revista
Americana», 1913, pág. 8.)
A inteligência revela-se, portanto, em actos
em que as ideas e os sentimentos influem, como
nos
tropismos influem certas
substâncias.
A inteligência depende do interêsse, das
tendências, que, por sua vez, são
funções da
estrutura do indivíduo, da natureza da sua
experiência anterior e da natureza da experiência
de ocasião.
[116]
Sendo assim, fácil é compreender porque
é que se podem considerar como não inteligentes,
certos indivíduos cuja fórma de
reacção
mental de adaptação se revela dificiente
em determinadas circunstâncias, em certos
meios.
Percebe-se que, com
Binet,
se
distinga a
inteligência escolar da inteligência extra-escolar,
se porventura as circunstâncias da escola
são muito diferentes das de fóra da escola e
os interêsses que a escola desperta são diferentes
do que a vida ordinária ou o meio extra-escolar
despertam.
Há inteligências que se não revelam na
escola.
Verdadeiramente, completamente inteligente,
porêm, é o que se ajusta a quaisquer
circunstâncias,
é o que se mostra inteligente em qualquer
meio.
A inteligência não é apenas a
inteligência
que consiste em adaptar respostas a preguntas,
na escola, falando, escrevendo ou calculando,
mas tambêm a que se revela por actos e gestos
de outra ordem, em circunstâncias de tôda
a ordem.
A inteligência julga-se pelo valor adaptivo
do gesto ou do acto considerado debaixo do
ponto de vista da sua prontidão, rapidez,
exactidão
e perfeição.
A inteligência não tem um significado cognoscitivo
apenas, revelação e
utilização de
conhecimentos; tem tambêm um significado moral
e um significado estético, que se revelam
na reacção às
variações das condições
morais
[117]
e estéticas do meio, no condicionalismo ético e
estético da experiência.
Compreende-se, pelo que lhes vou dizendo,
que por exemplo, como faz
Van
Biervliet,
se classifique a inteligência em espécies:
inteligência
clássica, isto é,
inteligência que se
revela principalmente nos trabalhos da classe,
inteligência prática e
inteligência estética.
Compreende-se tambêm que com propriedade
se possa dizer que há uma imbecilidade intelectual,
uma imbecilidade estética e uma imbecilidade
moral.
Kirckpatrick
considerando a
inteligência,
ou melhor a actividade intelectual, não
própriamente
sob o ponto de vista da sua finalidade,
mas no do seu mecanismo, descreve, quatro
tipos de inteligência, tendo como inteligência
tudo aquilo que constitui acto de adaptação
individual, e assim descreve: um tipo
de
inteligência
fisiológica, um tipo de
inteligência
senso-motriz ou
perceptiva, um tipo de
inteligência
representativa e um tipo de
inteligência
conceptual ou
conceptiva.
A primeira excluo-a eu aqui, porque não
depende de fenómenos da
memória
associativa.
São fenómenos de adaptação
de outra ordem,
pura adaptação fisiológica, em que a
própria
imunização tem o seu lugar.
Dos outros tipos convem dar-lhes hoje uma
noção.
Na
inteligência
senso-motriz ou
perceptiva
o que há, o que a caracteriza é uma
adaptação
imediata de movimentos e sensações de
ocasião.
Estes actos não se manifestam, não se repetem
[118]
senão quando estímulos da mesma natureza
actuam em circunstâncias semelhantes.
Por exemplo certos movimentos que se executam
no decurso do jôgo do
foot-ball, movimentos
de equilíbrio, de ataque, de defesa ou
melhor os movimentos que, quando tropeçamos
e vamos a cair, fazemos para nos equilibrarmos.
São as próprias sensações
que experimentamos,
que
directamente provocam e regulam
os actos de adaptação. De factos em
relação com
esta espécie de inteligência tratei eu num artigo
sôbre mutilados da mão, que publiquei
na
Medicina Moderna do
Pôrto, com o título
Inteligência motriz.
Na
Inteligência
representativa os actos da
adaptação podem ser provocados e regulados
apenas por símbolos que se tenham associado
a sensações anteriores. O acto pode executar-se
em virtude duma experiência anterior regulada
por acções semelhantes que víssemos
executar ou que nos fôssem descritas. É a
experiência
anterior de outros a regular a nossa.
Na
conceptual ou
conceptiva o acto de
adaptação
revela-se não só na ausência de uma
experiência
do mesmo tipo, feita pelo
próprio ou
por outrem, vista ou descrita, como se dando
nas mesmas circunstâncias, mas em resultado
de experiências
várias e
diferentes, do próprio
e de outros.
Uma pessoa quando salta dum carro em
movimento, pode fazê-lo com sucesso ou porque
já o tenha feito outras vezes, e portanto
associe as acções sensoriais de momento
às
[119]
reacções anteriores
(
inteligência
senso-motriz),
ou porque já tenha visto saltar outrem ou
lhe tenham dito como se deve saltar
(
inteligência
representativa), ou porque
reacções diferentes
que tenha por si mesmo experimentado,
observado ou visto descritas por outros,
se tenham associado e combinado por forma a
gerar o conhecimento das leis dos corpos em
movimento, o que associado às acções
do momento
regula o acto de adaptação
(
inteligência
conceptual).
Em tôdas estas formas de inteligência se
verifica a associação dos resultados das
experiências
anteriores aos das experiências do
momento, da mesma natureza ou não. O acto intelectual
é um acto de adaptação e de
revelação
da memória associativa.
Na escola, onde se governa e conduz a
experiência do indivíduo, em
atenção ao futuro,
se utilizam ou devem utilizar e cultivar
todos os três tipos de inteligência, e, para a
instrução, principalmente os dois
últimos.
Mas nem tôdas as idades, nem em todos os
indivíduos da mesma idade a
inteligência tem
o mesmo valor. Compreende-se, portanto, bem
o interesse que para o professor tem o saber
e o poder analisar os actos intelectuais, por
forma a, se assim se pode dizer, obter a
fórmula
qualitativa e quantitativa da inteligência
de cada um.
Pode calcular-se essa fórmula? Pode analisar-se
a inteligência? Pode esta avaliar-se?
Pode ser medida? Pode.
A inteligência é, se quizerem empregar os
[120]
termos de
Saffiotti:
«
a capacidade de estabelecer
novas relações entre a própria
personalidade
e as novas condições; é a capacidade
de tirar destas relações
interpretação adequada
e conformar com ela a sua
reacção».
A inteligência, perante isto e perante o que
lhes tenho dito, deve depender da estrutura do
indivíduo, das propriedades inatas, do momento
do seu desenvolvimento, e tambêm da natureza
e valor da sua experiência anterior, da
sua cultura, regulada ou não intencionalmente
por outrem.
Ora sendo assim poderá alguma coisa prever-se
sôbre a inteligência, estudando a estrutura,
as características biológicas do
indivíduo,
como se pode até certo ponto julgar do
valor de um motor, das suas capacidades, pelo
estudo do maquinismo, da sua organização,
da sua anatomia, da sua estrutura, como se
podem prever certas propriedades químicas,
certas reacções, observando caracteres
organo-nolépticos
e físicos de certos corpos. É esta a
base da avaliação da inteligência nos
métodos
que assentam no estudo das correlações
psico-somáticas
e psico-fisiológicas.
A inteligência pode ser avaliada tambêm
analisando a forma, o mecanismo de certas
reacções psíquicas elementares,
sujeitando o indivíduo
a
provas psíquicas de
diferente tipo e
natureza em que sobretudo influi a maneira
da actividade intelectual, o tipo ou a espécie
da inteligência.
Pode mesmo usar-se provas experimentadas
em muitos, usando o que se chamam
tests,
[121]
que não são outra cousa do que verdadeiros
reagentes mentais titulados, ou, se
quizerem
tambêm verdadeiros
padrões, tipos
de reacção,
em que a forma desta e a sua velocidade,
foi préviamente
observada e medida em
muitos.
É um tipo de avaliação em que se
estuda
ou analisa principalmente o mecanismo do
acto intelectual, decomposto em elementos. É a
base dos métodos de avaliação fundados
no
estudo das correlações
psico-analíticas. Mas
assim como na apreciação ou na
classificação
de um tipo de vinho não basta a analise
própriamente
dita; há que proceder a uma apreciação
global, tendo em vista o fim comercial,
por exemplo, a que visa a apreciação, assim
tambêm no exame de inteligência é por
vezes
necessário recorrer a um exame global, em
que não se atende apenas ao mecanismo do
acto, mas tambêm à sua finalidade e à
finalidade
da sua avaliação.
Ora o educador não deve apenas preocupar-se
com o mecanismo do acto intelectual
do aluno, para o caracterizar e escolher o método
de ensino que mais convenha. O educador
não toma o aluno
em
branco, se assim
se pode dizer. Os actos intelectuais que êle tem
de regular, a experiência intelectual que êle
tem de conduzir, tem um passado que influi
e está em estreitas relações com os
fins educativos.
A experiência anterior do aluno tem
uma grande importância e valor, e está dependente
da sua idade e do meio em que viveu
e vive.
[122]
Ao professor, no exame escolar da inteligência,
convêm-lhe
reagentes,
tests, que precipitem
em globo, em massa, se assim se pode dizer, a
inteligência e dêem a forma e a natureza desta,
e tambêm a da sua experiência anterior.
Se há questão pedagógica em que se
possa
falar de criança portuguesa, e duma maneira
geral de um tipo ou tipos nacionais de criança,
é a proposito da inteligência.
O momento histórico regula a inteligência
e deve regular a sua formação.
A psicologia de que carece o educador não
pode nem deve viver afastada da ética. E se
há questão psicológica em que
há que atender
aos fins da educação, é a da
inteligência.
Recordo-me da profunda emoção que me
causou a leitura das palavras de um formoso
livro, um dos que mais podem contribuir para
a cultura do entusiasmo pela carreira de professor,
o livro de
Münsterberg:
A psicologia
e o mestre. Recordo-me. Diz êle e eu
repito:
«
Agora é evidente que o estudo
dos meios
psicológicos póde ser útil
sómente quando as
aspirações do mestre tenham sido determinadas
pela investigação ética independente
do filósofo.
Porêm tão prontamente com estes fins,
os resultados cada, vez mais ricos da psicologia
experimental, devem ser levados ao mestre
de tal modo que êste possa conhecer e escolher
os meios úteis para a satisfação das
suas aspirações.»
A Educação é uma das artes em que a
Psicologia serve a Ética.
Está aberto o curso de Psicologia.
INTELIGÊNCIA E APERCEPÇÃO[12]
«Notre
réprésentation de la
matiére
est la mesure de notre action
possible sur les corps; ele résulte
de l'élimination de ce qui n'interesse
pas nos besoins et plus géneralemente
nos fonctions».
Bergson:
Matiére et
mémoire
«Il faut respecter en nous les
lois de la nature, acepter les devoires
nés de l'organisme, acomplir
les fonctions pour lesquelles on est
fait, avec le pouvoir énergétique
que l'on posséde. Le but de la vie
c'est tout le
perfectionement
possible,
physique ou psychique, par la méthode
et la discipline».
Albert
Deschamps:
Les maladies de l'esprit et les
asthénies.
«Non seulement une conception
mécanique de la vie est compatible
avec l'ethique; ele semble être la
seule conception de la vie, qui puisse
amener á comprendre oú est la
source de l'éthique».
Loeb:
La
conception mécanique de la
vie (tradução francesa).
Viver é essencialmente adaptar-se; é a luta
pela adaptação, é o
esfôrço para o ajustamento
[124]
do sêr ao meio, acomodando-se, ajustando-se a
êle, ou ajustando-o a si próprio. Educar
é favorecer,
conduzir intencionalmente, metódicamente
êsse ajustamento, essa adaptação.
Ora o indivíduo possui em si faculdades,
capacidades de adaptação, de ajustamento, de
assimilação, de utilização
do meio em que vive.
Essas possibilidades revelam-se na sua actividade,
na maneira porque procede, e desta actividade
uma parte, uma forma há que é herdada,
que nasce com o indivíduo, que é inata,
que não é determinada pela experiência
individual,
que não é aprendida e outra que é
adquirida, que resulta da experiência de cada
um, dirigida ou não por outrem.
Por vezes, quási sempre, a forma da actividade
inata é favorável ao ajustamento do
indivíduo ao meio, à
adaptação, às
condições
em que nasce e ordináriamente se encontra, e
a maior parte das vezes tambêm a forma de
actividade adquirida é como esta favorável ao
ajustamento.
As condições mantendo-se as mesmas, a
adaptação verifica-se, as necessidades
são conformes
à capacidade de utilização dos
recursos.
O indivíduo está adaptado ou adapta-se por
instinto ou por hábito. Se, porêm, as
circunstâncias
em que vive o indivíduo são muito
variáveis, se se rompe o ajustamento, se há
conflito entre o instinto ou o hábito e as
circunstâncias,
o indivíduo pode ou não readaptar-se,
pode ou não assimilar o meio, utilizando-o,
adaptando-o ou adaptando-se.
Concebe-se que haja seres que se adaptem,
[125]
independentemente da experiência, seres que
nascem pode dizer-se, adaptados a certos meios,
e só neles e em precisas circunstâncias podem
viver: seres instintivos, ineducaveis, mas sôbre
que o educador pode ainda assim influir, colocando-os
em meios os mais conformes com
os seus instintos, e pela forma mais conveniente
à sociedade.
Concebe-se que haja seres que, alêm de
se ajustarem por instinto a certas circunstâncias
possam em virtude da experiência, conduzida
ou não intencionalmente, adaptarem-se
a ela, adquirindo estas formas de actividade
que se chamam hábitos, seres educáveis
sôbre
que o educador pode actuar criando os hábitos
que mais convenha, e que, como tive
ocasião de lhes dizer, mostrar e demonstrar o
ano passado, deve fazer-se segundo certas
leis induzidas de experiências scientíficas que
se têm realizado.
Concebe-se finalmente que haja seres que
não só se adaptem por instinto, ou por
hábito,
que não só se adaptem a precisas
circunstâncias,
mas se adaptem tambêm fácilmente a novas
circunstâncias, encontrando nelas sempre
maneiras de se ajustar, de com elas viver em
concordância, sêres inteligentes, sôbre
que o
educador deve actuar variando o mais possível
as condições da experiência educativa,
para
que o mais possível tambêm se apure este dom
sublime da inteligência, do poder de utilizar o
meio, que é a base da felicidade e do progresso.
Só é verdadeiramente livre, quem é
suficientemente
inteligente.
[126]
Na lição da abertura do curso de
aperfeiçoamento
do ano passado, lição que intitulei
Da inteligência do escolar e da sua
avaliação,
lição que devem ler, citei e adoptei, para certos
casos, a definição de inteligência do
Professor
Saffiotti:
«Inteligência é a capacidade de
estabelecer
novas relações entre a própria
personalidade
e as novas condições; é a capacidade
de tirar
destas relações,
interpretação
adequada e conformar
com elas a sua reacção».
A inteligência é função
portanto da interpretação
e só se revela quando a interpretação
é adequada e a reacção a que a
interpretação
conduz por sua vez se revela em actos
de adaptação.
Ora é êste poder de
interpretação
que se
chama a apercepção. A inteligência
depende
da apercepção, da maneira porque se interpreta.
Quem interpreta por uma maneira inadequada
às conveniências da sua
adaptação,
não se adapta, reage por forma desfavorável,
não procede com inteligência.
Vêem já portanto quanto interessa o estudo
da apercepção. Leiam particularmente
sôbre
esta o que vem da pág. 430 à 434 da
tradução
francêsa do compêndio de Psicologia,
de
William James,
4.ª
edição.
A interpretação ou
apercepção depende de
uma série de condições que, como
verão em
[127]
James,
Lewes denominou
a
soma das condições
psicoestáticas: a natureza do
indivíduo, o
seu carácter, a sua experiência, a sua
educação,
os seus hábitos, o seu humor, etc. A
apercepção
é uma faculdade intelectual contingente,
que depende dos mais variados factores, desde,
os mais materiais aos mais espirituais, desde
as necessidades do corpo às necessidades do
espírito (usando a linguagem corrente), e sôbre
que, tanto pode actuar o médico como o
professor, tanto o gimnasta como o filósofo.
O aspecto físico, a forma do corpo por si
indicam tendências, certas aptidões
psicológicas,
certas necessidades, certos interêsses que
conduzem a experiência do indivíduo por
forma a ele entrar em contacto com o meio
em que vive, e que por sua vez conduz a
determinada interpretação dele, e portanto o
leva a reagir e proceder e adaptar-se por determinada
forma. O psicólogo se quere descobrir
a alma tem muito a ganhar em conhecer
o corpo. Se quere prever a fórma de
reacção
do indivíduo tem que estudar os orgãos dessa
reacção; se quere ser psicólogo a
valer tem que
ser antropólogo. O que tudo quere dizer que:
psicólogo e antropólogo, psicologia da
criança
e pedologia física, se devem entrelaçar, se podem
e se devem estudar conjuntamente.
As anomalias mentais da criança explicam-se
por vezes fácilmente se se estudar a
forma, os caracteres do seu corpo, se se julgar
do grau do seu desenvolvimento físico,
se se vê se o crescimento nela é normal ou
não.
Há caracteres mentais que são sintomas de
[128]
alterações orgânicas, e
perturbações do crescimento
que o médico pode corrigir para o professor
depois aproveitar.
Há no nosso corpo um órgão
até cuja influência
sôbre a inteligência é tal que alguem
já o chamou
a glândula da
inteligência
(
Pende).
É tal a importância que o estudo da anatomia
e da psicologia tem para o psicólogo
que nos modernos trabalhos sôbre as astenias,
defeitos ou insuficiências da energia orgânica,
vícios de funcionamento orgânico, se se
caracterizam
êsses defeitos pela insuficiência revelada
nos actos de adaptação social, e se vai
até a explicar a moral e a filosofia de muitos
por essa insuficiência de origem fisiológica,
aparecendo-nos
a moral como um ramo da biologia
e a filosofia como uma arte dos psicasténicos.
Pierre Janet, um dos
maiores
psicólogos
da nossa época, foi até a afirmar que talvez
a filosofia não passasse duma doença do
espírito.
A filosofia, de facto, parece a consequência,
a revelação duma actividade interpretativa
filha de uma atitude mental, duma
tendência anciosa para a procura de
relações
entre as cousas e os factos que nos cercam
e se passam no meio que nos circunda, e que
as dificuldades de adaptação, e a
insuficiência
da adaptação em certos gera.
Seja como fôr, o que lhes quero acentuar
é que o estudo da psicologia e em particular o
da
apercepção,
que será o objecto principal
do nosso curso dêste ano, tem muito a ganhar
iniciando-se pelo estudo da influência
[129]
das condições orgânicas neste
fenómeno, e
mais particularmente ainda pelo estudo da
influência que tanto na forma do processo
aperceptivo, como na maneira por que se interpreta,
como na natureza dos conhecimentos
que se utilizam, influi o tipo fisiológico da
criança, as suas tendências inatas, a sua
constituição,
o seu temperamento, e a fase do
crescimento em que se encontra.
Esta influência do organismo na
apercepção,
de que lhes tenho estado a falar, esta
influência do condicionalismo fisiológico na
interpretação das circunstâncias e na
adaptação
a elas, é já uma influência do passado
no presente, é a hereditariedade a comandar-nos,
é, pode dizer-se a tradução
fisiológica do
mote que tantos têm já glosado:
os mortos
mandam.
Mas não é só por esta forma que o
passado
se mistura com o presente e nos governa,
nos impõe até certo ponto uma
interpretação
do presente, e nos regula, a nossa
adaptação às novas
condições. É tambêm, e
talvez ainda mais, pelo resultado da nossa
própria experiência, regulada, intencionalmente
ou não, pelos outros, resultado das
modificações
que nas nossas reacções vai introduzindo
o contacto diário com o meio em que
se vive, com a natureza e com a sociedade,
[130]
resultado da interferência das acções
desta
com as nossas reacções.
Dia a dia as nossas tendências, os nossos
interêsses, o nosso saber, o nosso carácter, a
nossa experiência, são postos à prova,
e dia
a dia nos vamos consumindo na emprêsa do
ajustamento das nossas reacções às
circunstâncias.
Impressiona-nos mais não o que é
própriamente
mais forte ou mais novo, mais estranho,
mas o que é mais forte e estranho para
nós, aquilo que é novo para o ponto de vista
dos nossos interêsses, que cahe na zona do
nosso saber e das nossas necessidades e que
nós nos esforçamos naturalmente por assimilar
na tendência vital, orgânica, da nossa
adaptação. O que não sabemos,
não vêmos;
o que não experimentamos não sabemos.
Palavras estranhas ou letras associadas
mesmo ao acaso, tendemos a interpretá-las e a
lê-las, em nossa língua. Desenhos informes,
nuvens que o acaso amontuou, manchas que
o acaso estampa, borrões de tinta, tudo tendemos
a interpretar como se fossem formas
conhecidas e segundo os nossos conhecimentos
e até certo ponto os nossos interêsses.
Sempre o passado a mandar; sempre segundo
a nossa mentalidade e a nossa experiência!
O mundo, a interpretação do que nos
cerca, é função do nosso organismo e
da
nossa experiência ou saber.
A realidade é uma interpretação,
consoante
os nossos interêsses, e os nossos interêsses
expressão da nossa organização e da
nossa
[131]
experiência, experiência livre, ou intencionalmente
condicionada, como sucede na educação.
Meditem as palavras de
Bergson
que, livremente
mas fielmente, julgo, assim poder
traduzir:
«...O nosso carácter, sempre presente a
tôdas as nossas decisões é bem a
síntese
actual de todos os estados por que já passámos.
Sob esta forma condensada, a nossa vida
psicológica anterior existe para nós mesmo
mais do que o próprio mundo externo, porque
dêste apercebemos apenas uma muito pequena
parte, enquanto que pelo contrário utilizámos
a totalidade da nossa experiência vivida
já, experimentada e feita.»
Como que há, como
Bergson
tambêm diz,
uma tendência constante do passado a reconquistar
a sua influência, actualizando-se.
Dir-se-ia que só o génio não tem
passado.
Vejam quão longe nos leva, e interessante
e vasto é êste tema da inteligência e da
apercepção.
Não imaginem, porêm, que apesar da
linguagem
de subjectivo que venho empregando,
se não pode tambêm em
linguagem
de objectivo,
ia dizer em linguagem scientífica, em
termos das sciências experimentais, não imaginem
que se não podem tambêm interpretar,
adoptando uma concepção mecânica da
vida,
estes fenómenos da apercepção e da
inteligência,
própriamente dita.
Reportando-nos a um notável trabalho de
[132]
Bohn sôbre
a
dinâmica, cerebral,
(
Rev. Philosophique,
março-abril de 1919) adoptemos a
concepção
que êle defende de que nos fenómenos
psíquicos se verifica uma das grandes leis da
sciência física,
a lei dos
fenómenos recíprocos.
Quando se comprime um cristal de turmalina
o cristal por êste facto electriza-se e a
electrização
desenvolve fôrças que se opõem ao
encurtamento
do cristal.
Quando se aquece um cristal de turmalina
o cristal electriza-se tambêm; a
electrização
traz consigo um arrefecimento do cristal.
Dir-se-ia que o cristal que se electriza, apercebe
a variação das circunstâncias e tende a
reagir de acôrdo com a interpretação
adequada.
Afinal é um sistema de fôrças,
orientado
segundo um certo plano, que caracteriza
o cristal e que reage contra as acções que
tendem a perturbar-lhe o equilíbrio ou alterar-lhe
o plano.
Pode conceber-se tambêm o indivíduo como
um sistema de fôrças organizado segundo um
plano hereditário, tendendo a reagir às
acções
externas ou internas por maneira a opôr-se
ao desiquilíbrio do plano da sua
organização,
caracterizado por certas propriedades vectoriais,
isto é que se manifestam em determinadas
direcções ou segundo certos vectores (instintos,
tendências, interêsses).
A cada acção vectorial ou polarizante
corresponde,
segundo
Bohn, uma
acção recíproca
inversa, despolarizante.
Quando se excitam os sentidos, a excitação
que é transmitida ao cérebro e dirigida depois
[133]
aos músculos, às glândulas e
às diferentes
vísceras provoca excitações em sentido
contrário, que provêm de todos estes
domínios
e vem por sua vez depois a reagir sôbre os
primeiros receptores. Os centros nervosos são
excitados pelos sentidos e estes excitados pelos
centros nervosos. A interferência destas duas
espécies de ondas nervosas, daria a memória
associativa, revelando-se na apercepção e nos
actos que a exteriorizam.
Estas concepções mecânicas
têm a vantagem
de lhes mostrar que afinal os fenómenos
que estudamos são fenómenos naturais que
podem condicionar-se e utilizar-se como os
outros.
Quando o professor conheça bem esta mecânica
poderá ser tão seguramente útil como
o engenheiro que lida com as outras máquinas.
Vêem tambêm como com estas
concepções
mecânicas se pode fácilmente compreender
como cuidando do corpo e educando-o se pode
influir na educação intelectual e moral, na
maneira de interpretar o mundo e a sociedade
e de com êles harmonizar o indivíduo e
fazê-lo viver em inteligência.
Não imaginem que como muitos supõem se
despreza, nestas concepções, o valor das ideas,
não. Simplesmente intrepretamos a
acção destas
e utilizamo-las como no estudo dos tropismos
se interpreta a acção e se utilizam as
substâncias sensibilizadoras.
Tudo que impressiona os nossos sentidos
tem repercussão sôbre as nossas
vísceras, tem
um coeficiente emocional que muito influi na
[134]
interpretação das circunstâncias e na
nossa
maneira de proceder, na nossa actividade ou
reactividade.
Os orgãos da circulação são
fortemente impressionados
e influem no
tonus nervoso, na
energia nervosa de que muito depende a nossa
inteligência. Glândulas há que, segundo
a impressão
ou excitação que sofrem, segregam
mais ou menos substâncias
(
hormonas) que
muito influem no
tonus nervoso e nos
fenómenos
gerais da nutrição, o que se pode vir a
observar em alterações ou certa
orientação dos
fenómenos de apercepção e
inteligência.
O problema do educador é essencialmente
um problema psicológico: tornar o real aceitável,
e, conforme a natureza do indivíduo, pôr
esta em equilíbrio com a sociedade. Para isso
carece de saber de que depende a apercepção
e como nela se pode influir; como afinal dar
ao indivíduo a noção mais conforme com
a
natureza do meio social. O problema do educador
é o problema da felicidade, que como
diz
Deschamps se
pode chamar uma
«harmonia
psico-social, uma adaptação completa dos
desejos aos poderes e dos poderes ao meio.»
É afinal um problema de conciliação, e
esta deve ser o fim de tudo.
Está aberto o nosso curso de psicologia
experimental em que este ano particularmente
me ocuparei dos fenómenos e estudo experimental
da apercepção, sobretudo debaixo do
ponto de vista da genética.
Lisbôa, 8-10-920.
SÔBRE PSICOLOGIA, ESTÉTICA
E PEDAGOGIA DO GESTO
[13]
«qu'il
soit
permis à l'école d'insister
sur ce qui nous rapproche.»
Buisson.
«O fim da arte é unir as almas, associando-as
num mesmo sentimento...»
Tolstoi.
«A simples cortezia de palavra, de
expressão e de maneiras é já uma
revelação
de delicadeza estética.»
Bernardino
Machado.
«...si le geste est à la base de tous
les arts, le principe de toute éducation
esthétique (et même de toute éducation
intégrale) ne sera-t-il pas la culture et
le développement du sens créateur des
attitudes?»
Lalo.
«Deve pois ser a mímica a base de
todo o ensino.»
Júlio
Dantas.
A Arte na escola não deve apenas ter em
mira a cultura do sentimento estético; deve
[136]
principalmente ter em vista o aumentar a
apetência escolar, o gôsto pela escola,
não só
para chamar para ela, mas sobretudo para
facilitar a assimilação dos conhecimentos, o
aproveitamento escolar, tal como sucede com
a arte na mesa, que visa principalmente a facilitar
a digestão dos vários e complicados
cozinhados que nela se servem.
Decorar a escola, por decorá-la, cobrir as
paredes das salas da classe com quadros vistosos,
embora dos melhores, enfeitar essas salas
levando para elas flores, peixes, avezinhas,
etc., será útil para a cultura
estética, mas contribui
para distrair do fim principal da escola,
a não ser que as lições versem
sôbre ou a
propósito das decorações, o que nem
sempre é
possível, nem prático.
Van
Biervliet, a propósito
da atenção visual, dizia, numa das suas
lições, que as salas das classes deveriam ser
como a sala do teatro de Bayreuth: não distrair
do palco, da scena, do principal; os alunos
não deveriam ver mais do que os
tests
utilizados na lição. Nada os deveria distrair
das estimulações que o professor procura
directamente
praticar, para ensinar-lhes o que
lhes quere ensinar.
Mas, minhas senhoras e meus senhores,
embora mesmo que na arquitectura, na decoração
interior, no mobiliário, nos livros, a arte
que em tudo isso se ponha vise não só a
educação
artística, mas principalmente o atraír o
aluno, o prender-lhe a atenção, o tornar-lhe
agradável a escola, sem o distrair das
lições,
mesmo que assim seja, se uma vez nela o
[137]
aluno se defronta com um professor, que por
seus gestos e atitudes se torna ridículo,
antipático
ou temido, um professor que não saiba
nem ritmar convenientemente a sua voz, nem
compor agradávelmente a sua fisionomia, nem
servir-se das expressões, dos gestos e das atitudes
que mais atraem e prendem a criança e
tornam mais clara e interessante a lição, se
êsse professor desconhece a influência que a
mímica tem nos alunos, a importância que as
atitudes e a maneira de tratar e de falar têm
na educação, se êsse professor
não tiver por
intùição nem por cultura o
conhecimento do
valor pedagógico das estimulações
motrizes
atraentes, não será só o professor que
será
mau, a própria escola, apesar de tôda a sua
arte, passará a ser uma escola má, porque
deixará de atrair e a falta de senso e de
estética
do professor tornará assim essa escola, a
que me refiro, pior do que uma outra, cuja
arquitectura, cuja decoração, cujo
mobiliário
seja menos artístico, seja mesmo inferior.
A atitude, o gesto, a expressão fisionómica
do professor actua directa e fortemente sôbre
o aluno, levando-o a tomar atitudes, a esboçar
gestos e a usar de uma expressão fisionómica
que são o reflexo da atitude e da mímica do
professor. Mas não deve o professor apenas
lembrar-se disto, e por isso cuidar da sua atitude
e expressão, deve lembrar-se tambêm
que, como diz
Baldwin,
deve
lembrar-se que
o ver expressões emotivas noutrem não
só
provoca directamente aquele que as vê a colocar-se
em atitudes semelhantes, levando-o a
[138]
reproduzir essas expressões, mas tambêm faz
com que, uma vez esboçados os movimentos
provocados e assim iniciada a imitação muscular,
faz com que, dizia, os movimentos esboçados
despertem ou levem aos estados de
consciência que ordináriamente precedem essas
reacções emocionais. É por isso, e
ainda mais
do que por meu feitio afectivo, que eu, na
casa de educação, cuja
direcção me está confiada,
tanto uso da cortezia, procurando nunca
esquecer-me de cumprimentar e de pôr na
minha expressão e nos meus gestos uma grande
afabilidade.
Há-de sempre lembrar-me o que comigo se
passou, quando eu tinha quinze anos e havia
pouco tempo que freqùentava a minha Universidade:
a Universidade de Coimbra. Encontrei-me
uma vez com um cavalheiro de figura
grave, todo êle de preto, longas barbas brancas,
que eu nunca tinha visto, que completamente
desconhecia e que com grande espanto
e comoção minha, sendo eu a única
pessoa
que na ocasião com êle na rua se cruzava,
se descobriu, cumprimentando-me grave e afectuosamente,
logo me obrigando a mim a curvar
num grande gesto e com um grande sentimento
de respeito. Era o Reitor da Universidade,
o ilustre e venerando professor Dr.
Costa Simões,
cuja
figura vim depois a conhecer
e que hoje ainda, ao falar nela, me
desperta uma emoção fortíssima. Era o
Reitor
que me ensinava a respeitá-lo.
Ás vezes, minhas senhoras e meus senhores,
me sorrio, me sorrio sim, mas com pezar,
[139]
quando vejo por exemplo, alguns dos meus
prefeitos virem procurar-me, pálidos com um
ar de cólera mal contida, queixar-se de alunos
que lhes faltaram ao respeito e satisfeito comigo
fico, quando consigo logo, mostrando-me
aos alunos com expressão um pouco diferente
da habitual, consigo, dizia, levá-los imediatamente
a mudar a sua atitude de cólera tambêm,
como a do prefeito, e a tomarem uma
atitude antagónica, de obediência, de pezar e
de desgôsto. Há, por vezes, na vida escolar,
alguns episódios, que se passam entre educadores
e educandos, que me lembram a scena
dum animal investindo furioso contra um espelho,
por nele ver reproduzida uma atitude
de hostilidade que cresce e aumenta à maneira
que êle mais se encoleriza. Enfurece-se, sem o
saber, contra si mesmo.
Estou certo de que o facto de freqùentemente
se verem professores, pessoas aliás de
fino trato, tomarem nas aulas atitudes grosseiras
e hostis, como o de políticos ostentarem
no govêrno atitudes completamente opostas
aos sentimentos que mostravam fora dele, resulta
da imitação inconsciente de atitudes que
viram na sua infância, ou na sua mocidade,
nos que ensinavam e governavam.
O professor é como o actor. O estado emocional
do público é um reflexo do seu próprio
estado emocional, é uma reacção
simpática,
provocada pela sua atitude, pelo seu gesto,
pela sua expressão. E se o actor tem de cuidar
e tem de estudar a estética da expressão,
o professor quási tanto como êle a deveria
[140]
estudar. Compreende-se bem porque é que
Van Biervliet diz,
como disse:
«
todo o mestre,
e principalmente todo o professor primário,
deveria passar por um curso semelhante,
aos dos conservatórios, a fim de aprender a
falar belamente (califasia) e expressivamente,
ou melhor, direi, esculturalmente.»
Minhas
Senhoras e meus
Senhores:
A atenção, como V. Ex.
as
sabem, é a
faculdade
base, é a faculdade mãe, é a
mãe do
que vulgarmente se chama a inteligência.
Quem ensina, quem educa deve ter antes de
mais nada em vista provocar a atenção, prender
a atenção. Ora a atenção
depende intimamente
do interêsse. É indispensável que o
professor saiba estimular agradávelmente os
sentidos que tem de utilizar no ensino. Se a
sua atitude, se os seus gestos, se a sua expressão
são de molde a repelir, o aluno não presta
atenção, desvia a atenção.
Mas não é ainda só
por isto que o professor se deve preocupar
com a sua atitude, com os seus gestos, com a
sua maneira de falar; não é só para
chamar
a atenção e para a prender. É que o
gesto, a
expressão fisionómica, a maneira de nos
apresentarmos
aos alunos durante a lição, quando
falamos ou quando mostramos, ajudam a compreender
o que dizemos e o que mostramos.
Sabem V. Ex.
as muito bem que se se fechar
[141]
os olhos, emquanto se ouve um discurso, se
tem de fazer um maior esfôrço para segui-lo,
para o ouvir, para o interpretar. Os míopes
que assistam a um espectáculo sem as suas
lunetas, e verão como parece que ouvem menos,
e como o espectáculo se lhes torna inferior,
menos interessante, menos agradável, mais
difícil de seguir. O gesto auxilia imensamente
a expressão verbal, e tanto que um gesto mal
adequado, ao que se diz, pode transtornar
completamente o sentido da palavra.
A mímica auxilia tambêm a memória.
Inconscientemente
está provado isto), quando
se ouve ou se vê alguem, tendemos a imitar-lhe,
quando mais não seja,
interiormente, a
expressão. As palavras que ouvimos articulam-se
na nossa linguagem interior e tanto
mais fácilmente as compreendemos, quanto
melhor elas forem articuladas. É mais fácil
reter o que se diz lentamente e rítmicamente,
do que aquilo que se diz rápidamente e com
má expressão. O ver esboçar um gesto
é por
vezes bastante para antever um pensamento,
e para nos recordarmos.
E tanto a mímica influi na memória que
hoje, em pedagogia moderna, se aconselha
muito o emprêgo da mímica como auxiliar
importantíssimo
do ensino. Está demonstrado
que é mais fácil fazer fixar a um aluno o que
se disse, gesticulando nós e fazendo-o gesticular
a êle, quando repete, por forma apropriada,
é claro, do que dizendo monótonamente e
sem gesto e fazendo-o repetir sem gesto e
sem expressão, papagueando.
[142]
Estou cêrto (a minha experiência que já
não é pequena me autoriza a dizê-lo),
que os
gagos até certo ponto não gaguejam quando
cantam, porque as imagens motrizes, no canto,
são mais bem desenhadas, mais perfeitas,
fixam-se melhor, esquecem-se menos, deformam-se
menos. De resto o canto tem hoje um
papel importante no ensino da articulação, no
ensino das línguas, mesmo nos normais. O
gago, estou convencido, diga-se de passagem,
é um doente da atenção, por excesso de
emotividade.
E agora, para resumir:
um professor que
gesticule com propriedade, que fale com
correcção,
que articule perfeitamente, que diga
com arte, que gesticule com arte, que se exprima
com arte, não é só
agradável, não é
apenas um artista, é um excelente
professor.
Minhas
Senhoras e meus
Senhores:
O estudo do gesto, da atitude, da expressão
tem ainda uma outra importância, uma
outra vantagem pedagógica de que ainda não
falei: é a de servir excelentemente para conhecermos
o aluno.
Deixem-me assistir, sem ser visto, ao recreio,
numa escola, e eu poderei, sem errar
muito, fazer alguns juízos sôbre o feitio mental
dos alunos. A criança até aos onze anos
é,
[143]
como diz
Waynbaum,
uma
espécie de alienado
sem freio social, ou um grande actor. As suas
atitudes, os seus gestos são francamente a
expressão do seu estado afectivo. A vontade,
a astúcia, o cálculo, o interêsse, as
conveniências,
os hábitos não são ainda freios
tão poderosos
que lhe dominem, que lhe mutilem ou
deformem o estado afectivo, que no-lo ocultem
ou o tornem difícil de descobrir: a expressão
é sincera, é a tradução
exacta do seu estado
e, até certo ponto, do seu carácter habitual.
A mímica é duma eloqùência
impressionante.
Examinai-a bem, examinai os gestos,
as atitudes, a expressão fisionómica e podereis
com facilidade fazer um juízo sôbre o feitio
mental, e principalmente sôbre o estado afectivo
na ocasião. Mandai, por exemplo, abrir a
boca a uma criança de menos de onze anos,
para lhe examinar a garganta, e notai bem a
expressão, a atitude, os gestos, a maneira de
reagir: fácilmente vereis qual é o grau de
eloqùência
da fisionomia na criança, e em grande
parte verificareis a verdade do que digo.
Dos onze anos para diante e mais tarde na
puberdade, o gesto, a expressão, a atitude já
enganam mais; o exame é mais sujeito a erros.
Nessa idade recorro muitas vezes ao exame
do olhar, emquanto falo, e sobretudo ao do
apêrto de mão, dêsse gesto de quem
Vaschide,
num monumental trabalho de psicologia, disse
ser um gesto em aparência banal, mas revelador
de tôda a nossa vida mental sub-consciente
e a propósito do qual disse mais: «há
tôda
uma psicologia e da maior importância neste
[144]
contacto musculo-táctil que eu chamarei mental.»
O mesmo ilustre psicólogo francês, que a
morte tão cedo roubou, examinando alienados
do Asilo Villejuif, chegou à conclusão de que
aquele gesto tão trivial pode fornecer importantes
elementos para julgar da mentalidade
dos internados, o que, até certo ponto, confirma
a opinião do velho médico da
Salpetrière,
Falret, que pelo
exame da
mão pretendia
apreciar o estado mental dos seus
doentes.
Mas não querendo em pedologia utilizar o
exame do apêrto de mão, o professor pode
recorrer com facilidade e êxito ao exame de
outros gestos, com o fim de colher alguns elementos
de ordem psíquica.
Na lição de abertura do meu curso de Pedologia
dêste ano, a propósito da medida da
agudeza visual e da auditiva, debaixo do
ponto de vista pedagógico, disse eu: «O exame
da agudeza visual e da auditiva presta-se
tambêm a permitir-nos julgar até certo ponto
de certas qualidades de ordem psíquica, que
ao educador muito interessam conhecer. A
maneira por que o aluno se apresenta, a rapidez,
a lentidão dos seus movimentos, a rapidez
ou a lentidão na leitura do quadro optométrico,
a maneira agitada ou, pelo contrário,
lenta e dócil por que se comporta, a precisão
ou a decisão na compreensão e
execução das
nossas ordens, tudo permite, com grande probabilidade
de acêrto, formar um juízo, útil e
necessário para o educador, sôbre o grau de
emotividade, ou sôbre a
potencialidade
nervosa
[145]
de cada aluno, destrinçando particularmente
os dois tipos extremos, o do
hipersténico,
agitado, e o do
hiposténico, tardo nas
suas reacções. O educador encontrará
nesse
exame elementos importantes para calcular
possibilidades na educação, e tirar
indicações
muito úteis para a escolha dos meios educativos
a empregar».
E, como o exame da agudeza visual e da
auditiva, há outros que se podem praticar na
escola e que permittem examinar com rigor
os gestos, e por estes com certo êxito julgar
da mentalidade do aluno.
Ley, a
propósito de um
estudo dinamométrico
dos alunos atardados da escola especial
de Antuérpia, fez notar que a
observação das
atitudes durante o exame da fôrça de
pressão,
lhe permitiram verificar: 1.º—que os nervosos
e indisciplinados, habitualmente atingem o
máximo, dum jacto, bruscamente; 2.º—que
nos apáticos a agulha do dinamómetro caminha
para o máximo, com regularidade e lentidão;
e finalmente, 3.º—que nos apáticos mais
acentuados, nos apáticos profundos, o máximo
ordináriamente era atingido depois de uma
contracção lenta, seguida de uma pausa, a que
por sua vez se seguiam algumas outras lentas
e mais pequenas contracções.
Mas mais ainda. A título de exemplo, apresentarei
a V. Ex.
as, sob forma resumida, a
parte mais interessante do resultado dum exame
a que procedi, a fim de surpreender as
características do apêrto de mão em
rapazes
da Casa Pia, de 16 anos para cima, tomados
[146]
ao acaso, e chamados à minha presença, sem
saber para quê. Á medida que chegavam, e
entravam isoladamente no meu gabinete, cumprimentava-os
naturalmente estendendo-lhes a
minha mão; depois fazia-lhes algumas perguntas
de pouca importância para êles, como era
por exemplo,
qual o curso em que estavam?
se tinham frequentado a oficina? etc,
inspeccionava-lhes
a mão, e media-lhes finalmente
com um dinamómetro
Mathieu a
fôrça à pressão
da mão direita, procurando assim sugerir-lhes
a idea de que eu o que desejava era estabelecer
alguma relação entre a profissão e
as características das mãos. Terminando
êste
exame, despedia-os naturalmente, estendendo-lhes,
como no principio, a minha mão. Várias
nuances surpreendi na maneira por
que as
mãos dos alunos se comportavam durante o
cumprimento, mas fácilmente as pude agrupar,
distribuindo-as por três tipos
característicos:—1.º—o
dos que cumprimentam
entregando a
mão,
sem apertar,
abandonando-a; 2.º—o
dos que apertam a mão, mais ou menos fortemente,
sem tentar rápidamente fugir com
ela; 3.º—o dos que quási que não
apertam, e
que rápidamente a procuram retirar após o
contacto (
mãos que fogem, mãos
furtivas).
Dias depois de feita a minha observação,
inesperadamente e sem dizer para que queria
informações, apenas dizendo que era para um
estudo, consultei separadamente o chefe dos
prefeitos e o professor de curso freqùentado
pelos alunos, que mais em contacto e durante
mais tempo está com êles. Foram tambêm
consultados
[147]
alguns mestres de oficinas, daqueles
poucos alunos entre os que eu examinei, que
nelas andavam.
O pedido da minha informação visava sobretudo
saber se na opinião das pessoas que
eu consultava, os alunos eram ou não disciplinados,
se se acomodavam ou não fácilmente
ao regimen habitual da Casa, e tambêm se
eram considerados sinceros ou pelo contrário
dissimulados. Ora, coisa interessante: no grupo
dos que mal apertam a mão, que rápidamente
a procuram furtar ao contacto da nossa, figuram
os alunos que na lista das informações
do professor e do prefeito têm as notas de dificeis
de disciplinar, dissimulados, reservados,
pouco sinceros; os que tem a nota firme de
disciplinados, exemplares, sinceros, aparentando
o que são, não dissimulando, estão no
grupo
dos que cumprimentam apertando a mão, e
não fugindo; finalmente no grupo dos que
não apertam e abandonam a mão, dos que
têm um aperto de mão insignificativo, figura
a maioria daqueles sôbre que professor e prefeito
tiveram dúvida em informar e traduziram
o seu juízo por um ponto de
interrogação.
Isto a meu ver basta para acabar de ilustrar
e documentar a tese de que a
simples
observação dum gesto tão trivial, como
é por
exemplo um apêrto de mão, pode servir ao
educador para fazer um rápido e útil exame
psicológico.
[148]
Minhas
Senhoras e meus
Senhores:
Mas na escola, o gesto, a atitude, a fisionomia
servem ainda para alguma cousa mais.
Séguin, no
seu afamado
livro sôbre o
tratamento
moral dos idiotas, consagra
páginas
ao estudo e à preparação, no
professor, do
gesto, «desta forma oratória, como êle
diz, que
tôda a gente usa mais ou menos, mas muito
mal e sem o saber», e do olhar e da fisionomia,
«meios, como êle diz tambêm, de dirigir
e possuir o aluno».
A criança compreende mais a nossa fisionomia
e os nossos gestos do que a nossa palavra.
De resto, a palavra é mais para mentir.
O olhar e as mãos é que são as
verdadeiras
janelas da alma. É difícil dissimular com o
olhar e com o gesto, e estes melhores do que
nada se prestam a traduzir com tôda a verdade
o estado do nosso espírito.
Fixai o olhar do vosso educando, aprendei
a usar de gestos apropriados, a traduzir pela
expressão do olhar e pela maneira de gesticular
a vossa intenção e com facilidade podereis
socegar o agitado, disciplinar o indisciplinado,
tornar atento o distraído, despertar o apático,
imobilizar quando quizerdes imobilizar, agir
quando quizerdes que se movam, castigar
quando quizerdes castigar, premiar quando
quizerdes premiar, e por êles mais fácilmente
do que com os vossos discursos podereis conseguir
[149]
o que constitui, tanto no ensino de
anormais como de normais, o principal segredo
da arte do educador: saber fazer do educando
um amigo, saber apossar-se do aluno.
Educai não só com a alma; educai com
alma.
Minhas
Senhoras e meus
Senhores:
O gesto, a atitude, não são apenas a
expressão
do estado afectivo, são por vezes a
própria causa do estado afectivo. Segundo
William James, o
grande
psicólogo americano,
o estado emocional não é que determina a
expressão emocional. A percepção dum
objecto,
ou dum acto capaz de nos emocionar, provoca,
como por reflexo, reacções corporais,
reacções nervosas, que geram atitudes,
expressões,
gestos, perturbações orgânicas e
são
estas reacções corporais que, impressionando-nos,
geram os estados afectivos. Como corolário
desta tese,
James
sustenta que
tôda a produção,
voluntária e a sangue frio, das chamadas
manifestações duma emoção
determina
essa emoção. Para comover-nos basta colocarmo-nos
em atitude de comoção. Entristecereis
se persistirdes em tomar atitudes de tristeza;
cultivai as atitudes recolhidas, em flexão,
próprias
dos humildes e tornar-vos heis humildes;
curvai-vos em adoração e acabareis por adorar;
preparai-vos para admirar e admirareis.
Se, pelo contrário, cuidardes principalmente de
[150]
atitudes abertas, em extensão, próprias para
exprimir a alegria ou a fôrça, tornar-vos heis
alegres, fortes, destemidos, senhores de vós, e,
se exagerardes, revoltados.
Antes de James, pode-se dizer que os educadores
haviam descoberto a teoria; pelo menos
a experiência os levara a proceder de
acôrdo com ela. A importância que muitos
dão
ao ensino da civilidade demonstra-o, e demonstra-o
sobretudo o cuidado com que nos manuais
de civilidade, nos livros que muitos chamam
de educação, própriamente dita, e
principalmente
nos das casas de educação religiosa,
demonstra-o sobretudo, dizia, o cuidado com
que neles se prescrevem as regras que devem
pautar o gesto, o tratamento, a atitude, a expressão
do olhar, etc., tôdas visando, nas casas
de educação religiosa, a modéstia, o
ar humilde,
recolhido, obediente, por vezes servil, que
leva ao estado de espírito que principalmente
se tem em vista criar. Vale a pena ler, por
exemplo, para verificar o que digo, vale a
pena ler por exemplo o
Regulamento para as
casas da Pia Sociedade de S. Francisco de
Sales.
Compreende-se bem agora porque é que
eu tanto me preocupo, quando falo com os
meus alunos, ou quando êles falam comigo,
em aconselhar-lhes ou sugestionar-lhes uma
atitude recta, firme, simples, afectuosa, forçando-os
a fitarem-me naturalmente, serenamente,
modestamente, e a falar sem cochichar, mas
tambêm sem levantar demasiado a voz, procurando
sempre regular-lhes a palavra e o gesto,
[151]
e dar-lhes um ar disciplinado e simpático. E
se tanto me dá prazer ver a harmonia no andar,
no falar, no gesticular, se tanto às vezes
me comovo, quando vejo desfilar ordenadamente
e nobremente os rapazes da nossa Casa
Pia, não é só por simples
emoção estética, é
porque por aqueles sinais externos eu julgo
do estado interno da nossa Casa. Vai bem.
Educadores, educai o corpo, que educareis
o espírito.
Minhas
Senhoras e meus
Senhores:
Os nossos gestos, as nossas expressões,
constituem um dinamismo afectivo que não só
actua sôbre os nossos próprios sentimentos, e
exprimem o que nós sentimos, mas tambêm
actua sôbre os sentimentos dos outros, inflùindo
fortemente neles. Os gestos, as atitudes,
as expressões fisionómicas são
factores
sociais importantíssimos. A sociedade é um
verdadeiro campo de fôrças afectivas. E a
maneira de ser de cada um de nós, e a maneira
de nos exprimirmos, e de nos comportarmos
actuam no meio em que vivemos como
fôrças orientadoras ou perturbadoras da ordem
social.
Habituar os nossos educandos às atitudes
e gestos de respeito, gestos de uma cortezia
simples, mas atraente, é trabalhar pela
tolerância,
[152]
pela «aceitação serena das
diferenças
que existem entre os homens», como diz
Lanson.
Procedendo assim aumentar-se há a fôrça
da solidariedade, criar-se há a atmosfera mais
favorável à descoberta da verdade, ao amor
do belo e à prática do bem, e vencer-se
há
um dos nossos maiores inimigos internos:—«a
intolerância, que, como a ignorância, ainda
na expressão de
Lanson,
é um instrumento de
despotismo», e de divisão, acrescentarei eu.
Como vêdes, a educação do gesto
até tem
um alcance político. Como vêdes até
pode contribuir
para a solução do nosso maior problema:
o problema da
unidade nacional.
Mais uma vez me convenço de que os nossos
maiores problemas são problemas pedagógicos.
Mais uma vez me convenço de que a
educação
é a maior das fôrças
políticas. Mais uma
vez compreendo o sublime paradoxo, a que
nos momentos mais difíceis da sua vida histórica
com êxito recorreram as duas grandes
nações
europeias, centros dos dois poderosíssimos
sistemas de civilização, que neste grandioso
e aflitivo momento da vida da Europa,
se batem e formidávelmente lutam; sim, mais
uma vez compreendo porque «se foi pedir a
salvação da Pátria à
força em aparéncia a
menos feita para isso, aquela cuja acção
é, por
definição mesma, a mais modesta, a mais doce,
a mais longínqua—a
educação»
[14].
[153]
Recorramos tambêm nós a ela.
Eduquemo-nos
e eduquemos.
Que a arte entre na escola e que o fim da
escola seja como o da própria arte no dizer
de
Tolstoi:—«unir
as
almas, associando-as
num mesmo sentimento». E que nesta ocasião
de perigo, e sempre, todos os meios, todos os
pretextos sirvam, como me está servindo esta
minha leitura, sirvam para cultivar o sentimento
supremo e utilíssimo do amor da
Pátria.
Disse.
ALGUMAS PUBLICAÇÕES
DO AUTOR, SÔBRE ASSUNTOS
PEDAGÓGICOS[15]
Antropometria
escolar—Relatório apresentado ao IV
Congresso Nacional da Liga Contra a Tuberculose, 1907.
Uma colónia de
férias—Apontamentos de antropometria
médica publicados no
Boletim da
Assistência
Nacional aos Tuberculosos e na
Clinique infantile, 1908.
Instrução e política
em Portugal—Artigo publicado
na
Alma Nacional, 1909.
A educação intelectual e moral
da mocidade nos
colégios dos
jesuítas—Conferência, 1910.
Carta dirigida ao Grão-Mestre da
Maçonaria Portuguesa,
no dia do Centenário do nascimento de José
Estêvão, 1910.
O ensino das sciências fisico-naturais na
escola primária
portuguesa—Artigo publicado na
Revista de
Educação
e no
Éducateur Moderne,
1910.
Casa Pia de Lisboa—
Algumas
observações sôbre alunos
gagos—Artigo publicado na
Escola
Nova, 1912.
Refeições
escolares—Artigo publicado na
Medicina
Moderna, 1912.
A bem da
República—Discurso lido na Casa Pia de
Lisboa e publicado na
Revista de
Educação Geral e
Técnica, 1916.
Pneumogrames de bégues—Contribution
à l'étude de
l'emotivité, publicado no
Boletim da Sociedade Portuguesa
de Sciências Naturais, 1916.
Gimnástica—escola de moral e de
civismo—Discurso
proferido na Casa Pia, por ocasião da
recepção de
Sua Ex.
a o Presidente da República e
dos membros do
Congresso de Educação Física,
publicado na
Revista de
Educação, 1916.
Entre dois Congressos—Artigo
publicado no jornal
A República, 1908.
Elementos para a elaboração de
um projecto de distribuição
[156]
de água esterelizada aos alunos do Liceu de
Camões—Artigo publicado na
Medicina Moderna, 1911.
Ensino útil e ensino
utilitário—Artigo publicado no
Tempo, de Lisboa, 1911.
Cantinas escolares—Carta ao Snr.
Presidente da República,
publicada no jornal
República, 1911.
Numa festa da Casa Pia, trechos dum
discurso, publicado
na
Revista de
Educação, 1913.
Casa Pia de Lisboa—
Sôbre uns acidentes no
recreio—Artigo
publicado no
Movimento
médico, 1913.
Ensino dos surdos-mudos—Discurso
proferido por
ocasião da abertura dum curso para
habilitação de professores
de surdos-mudos, discurso publicado na
Educação,
1913.
A spirometria em antropometria
escolar—Artigo publicado
na revista
A Tutoria, de Lisboa,
1913.
Educação
física—
Elogio do Dr. Jaime Mauperrin
dos Santos, lido na Sociedade de Geografia e
publicado
no
Sport de Lisboa, 1914.
Dois documentos para a
Historia—Duas cartas a
propósito de uma conferência sôbre a
educação nos colégios
de jesuítas, publicadas na
República, 1914.
Da influência dos trabalhos manuais no
desenvolvimento
do espírito—Discurso lido na Casa Pia de
Lisboa,
por ocasião do Congresso Pedagógico, e publicado
no
Diário de Noticias e
em parte na
Medicina Contemporanea,
onde se encontram tabelas que o documentam,
1914.
Uma ilusão
muscular—Artigo publicado na
Medicina
Contemporanea, 1914.
Algumas considerações
sôbre um calão escolar—O
calão da Casa Pia—Artigo publicado de
colaboração com
Canuto Soares, na revista
A Aguia,
do Porto, 1914.
Arte e democracia, Discurso, in
Atlantida, 1918.
Como educar o operário e seus
filhos, Tese Nacional
do Livre Pensamento, in
Actas do
Congresso, 1918.
No Lactário, Discurso, in
A Aguia, 1919.
Inteligência motriz, in
A Medicina Moderna, 1919.
Morfologia e educação
física, in
Medicina
Contenporanea,
1920.
O foot-ball e as curvas do crescimento na Casa Pia
de Lisboa, in jornal
Football, 1920.
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ULTIMAS PUBLICAÇÕES
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da Literatura
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baixa—Dialogos |
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Elementos de Teoria de
Comércio, 1.ª parte |
Dr. Pedro
Fazenda |
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A Crise Politica em
Portugal |
Notas:
[1]
Lição de abertura do curso de Pedologia na
antiga
Escola Normal de Lisboa. Lida em 19 de Janeiro
de 1915. Publicada no jornal da
Tutoria da
Infância e
no
Anuário da Casa Pia de
Lisboa.
[2]
Lição de abertura do Curso de Psicologia
Experimental
da Escola Normal de Bemfica, no 2.º semestre
do ano lectivo de 1919-20. Publicada no
Boletim
Bibliográfico
da Bibliotéca da Universidade de Coimbra
e no
Anuário da Casa Pia de
Lisboa.
[3]
Lição de encerramento do Curso de Pedologia
na Escola Normal de Lisboa no ano lectivo de 1914-15.
Publicada no
Arquivo de Anatomia e
Antropologia do
Instituto de Anatomia da Faculdade de Medicina de Lisboa,
e no
Anuário da Casa Pia.
[4]
Ao lado das tabelas e curvas do Dr.
Mascarenhas
de Melo devem citar-se as tabelas e curvas de cuja
existência só hoje tive conhecimento e que foram
elaboradas
pelo ilustre professor de gimnástica desta Escola
Normal, o Sr.
Pedro Ferreira,
quando professor no extinto
Colégio de Campolide. Êsses trabalhos foram
publicados
num folheto intitulado—
La gymnastique
médicale
au Collége de Campolide,—que foi
apresentado,
segundo me informa aquele meu venerando colega, seu
autor, no Congresso de Higiéne Escolar, realizado em
Paris em 1910. Os dados colhidos pelo Sr. professor
Pedro
Ferreira poderão servir, particularmente,
para um
estudo das crianças da aristocracia portuguesa, visto que
era sobretudo às camadas aristocráticas da nossa
sociedade
que pertenciam os alunos de Campolide.
[5]
Esta curva figura tambêm no último
relatório
da
Escola-oficina n.º 1,
onde o Dr.
Manchego
tem feito
observações antropométricas.
[6]
Ainda há minutos o sr. professor
Pedro
Ferreira,
ao ter conhecimento desta passagem da minha
lição, me informou de que tem verificado o facto
nesta
Escola e no Liceu Maria Pia, onde tem procedido a
mensurações.
Há dias, neste nosso curso, entre as senhoras,
me disse ter observado casos bem demonstrativos.
[7]
Vd. sobre o assumpto desta lição o livro do
Snr. Dr.
Alves dos
Santos:—
Educação
Nova—As
bases—I—O
Corpo da
criança (1919) e a conferência
que preparei para a Escola de oficiais médicos milicianos
e publiquei em 1917 no
Arquivo de Anatomia e
Antropologia, com o título:
Auxanometria militar.
[8]
Lição de abertura do Curso de Pedologia da
Escola Normal de Lisboa no ano lectivo de 1915-1916.
Lida em 20 de Janeiro de 1916.
[9]
Lição de abertura do Curso de Pedologia na
Escola Normal de Lisboa, no anno lectivo de 1916-1917.
Lida e explicada, em 26 de Fevereiro de 1917. Publicada
no
Boletim do Ministério da
Instrução Pública.
[10]
Lição de encerramento do curso de pedologia
da
Escola Normal de Lisboa, no ano lectivo de 1915-1916,
lida na sala de Física da Faculdade de Sciências
de
Lisboa e publicada, como as duas anteriores, no
Boletim
do Ministério da Instrução
Pública e no
Anuário da
Casa Pia de Lisboa.
[11]
Lição de abertura dum curso de
aperfeiçoamento
na Escola Normal Primária de Lisboa (Bemfica), no ano
lectivo de 1919-1920. Publicada na
Medicina
Contemporanea.
[12]
Lição de abertura do Curso de Psicologia
experimental
no ano lectivo de 1920-1921, publicada na
Medicina Contemporanea.
[13]
Conferência realizada no dia 17 de Abril de 1916,
no Salão do Conservatório, e publicada em
separata pela
Sociedade de Estudos Pedagógicos.
[14]
Palavras de
Ferdinand Buisson.
[15]
Excluem-se as publicações que vão
reproduzidas e reunidas
neste volume e alguns outros trabalhos publicados nos
anuários da
Casa Pia.
Lista de erros
corrigidos
Aqui
encontram-se
listados todos os erros encontrados e corrigidos:
|
Original |
|
Correcção |
#pág.
56 |
infra-normais |
... |
supra-normais |
#pág.
83 |
Montesssóri |
... |
Montessóri |